Orçamento. As gafes, as erratas, e os casos que ficam para a história das contas públicas

Orçamento. As gafes, as erratas, e os casos que ficam para a história das contas públicas


Já houve propostas de orçamentos com erros, pens que não funcionavam, atrasos sem fim, erratas, e conferências fora de horas. Estreia de João Leão obrigou Marcelo a esclarecer as suas próprias verbas.


A entrega da proposta de Orçamento do Estado é por norma um momento solene e um dos mais importantes no Parlamento. Mas nem sempre corre tudo como previsto. Ao longo dos anos, com diferentes governos, os casos sucederam-se. Em 2020 fica para a história o facto de a própria Presidência da República apontar um erro com a duplicação do seu orçamento ou um erro numa verba que era para a CP, mas estava indicada como destinada ao Fundo de Resolução.

Em anos anteriores, um dos casos que deram que falar foi o do orçamento de 2009, quando o então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, quis inaugurar uma nova era: a entrega do documento numa pen, sem os tradicionais calhamaços. Mas um “problema operacional” provocou um atraso de mais de três horas. Suspeitou-se que a pen estivesse vazia e na dúvida também foi enviado um CD como plano B. O então presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, testou-a e o ministro brincou: “Até o [computador] Magalhães o abria”. Porém, os deputados tiveram de esperar horas até que terem todos os dados disponíveis.

No ano seguinte, a entrega da proposta foi feita pelas 22h e a tradicional conferência de imprensa avançou para as 23h. Aí o ministro levou duas pen para nada falhar. Teixeira dos Santos explicou, na altura, que não havia atrasos na conferência já noite dentro: “O meu horário de trabalho não é necessariamente o vosso. Trabalho 24 horas por dia quando é necessário, e às vezes durante a noite, como aconteceu na noite passada”.

A história complicou um pouco mais à frente, no último orçamento do governo de José Sócrates, quando já se desenhava uma crise financeira no país. Primeiro, o presidente do Parlamento teve de esperar até às 23h30 da noite de 15 de outubro de 2010 pela referida pen. Quando recebeu o dispositivo, a proposta de orçamento não tinha uma parte fundamental: o relatório que acompanha o diploma com os dados macroeconómicos. O texto só entraria no Parlamento no dia seguinte, já fora de prazo. Mas a conferência com as devidas explicações não foi feita fora de horas. Ficou agendada para o dia seguinte à entrega da proposta. Volvidos pouco mais de seis meses, o país pedia ajuda externa, com José Sócrates a entregar o seu pedido de demissão. Portugal foi a votos em junho numas eleições legislativas que fizeram o poder mudar de mãos: do PS para uma coligação pós-eleitoral entre PSD e CDS.

Com a mudança de governo e de ministro das Finanças, o sucessor de Teixeira dos Santos não ficou na história por atrasos… mas pelos cortes e o “enorme aumento” de impostos. E também por conferências de imprensa onde eram visíveis as olheiras resultantes de longas maratonas de trabalho. Vítor Gaspar saiu em 2013, entrou Maria Luís Albuquerque. Na elaboração da proposta de Orçamento de 2014 temeram-se atrasos, porque os trabalhadores da Direção-Geral de Orçamento marcaram uma greve de três dias, de 12 a 14 de outubro de 2013. O prazo de entrega terminava às 23h59 de 15 de outubro. E foi respeitado. No ano seguinte a última proposta de Orçamento do Estado de Maria Luís Albuquerque foi entregue pelas 16h de 15 de outubro.

O país foi a votos em outubro de 2015, tomou posse um governo PSD/CDS que durou um mês e, por fim, o governo do PS foi empossado com um ministro das Finanças que ficou para a história pelas contas certas, o excedente orçamental e a saída no momento mais difícil para o país. Na sua estreia, Mário Centeno cumpriu a missão e entregou a proposta de Orçamento pelas 20h num envelope branco. Problema? Após a entrega da proposta a 5 de fevereiro, é enviada uma errata com… 46 páginas no dia 12 desse mês. E as correções apontam para a manutenção da carga fiscal face a 2015, quando antes se previa uma descida. O documento, recorde-se, resultou de um braço de ferro com Bruxelas.

No ano seguinte, a proposta só chegou pelas 23h16 e a conferência de imprensa prolongou-se até de madrugada, mas o recorde na hora da entrega foi mesmo o da proposta de Orçamento para 2019: 23h48, a escassos doze minutos do fim do prazo. Estavam cumpridos quatro orçamentos da geringonça.

Nos corredores do Parlamento, percebeu-se que haveria atrasos (com troca de correspondência entre os parceiros de esquerda). O então líder parlamentar do PS, Carlos César, e o então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, fizeram vários compassos de espera. Acabaram por ir jantar, tal como Ferro Rodrigues.

Na sua estreia como sucessor de Mário Centeno, João Leão chegou a ter prevista a entrega (ainda que não oficial) para o final da tarde, mas o documento só chegou às mãos de Ferro Rodrigues pelas 21h. A conferência de imprensa também aprazada para segunda-feira foi adiada para o dia seguinte, logo pela manhã, Porém, no próprio dia da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2021, eis que surge a primeira correção: “Por lapso, o relatório do OE21, hoje entregue à Assembleia da República, identifica, erradamente, um empréstimo de 468,6 M€ ao Fundo de Resolução. Trata-se sim de um empréstimo de 468,6 M€ à CP-Comboios de Portugal”. O fundo de resolução, leia-se, é o veículo pelo qual o Novo Banco recebe injeções de capital. E o motivo pelo qual o Bloco de Esquerda tem ameaçado com o seu voto contra. Porém, a correção mais caricata foi mesmo a da Presidência da República. Marcelo Rebelo de Sousa percebeu que havia duplicação de verbas para Belém (que poderia torná-lo alvo de críticas) e corrigiu o ministro numa nota oficial no site da Presidência: não eram 32 milhões de euros, mas 16,8 milhões para Belém. Já foram enviadas também para o Parlamento correções em três páginas do relatório do Orçamento. Contudo, em resposta oficial ao i, o Ministério das Finanças recusa que haja erros em várias verbas atribuídas, por exemplo, à Assembleia da República. “Para cumprimento da Lei de Enquadramento Orçamental os mapas passaram a ser apresentados por AC (administração central), em vez de ser por SI (serviços integrados) e SFA (serviços e fundos autónomos). Como a Assembleia da República tem que autorizar quer a despesa das entidades enquanto SFA, quer a transferência de receitas de impostos, o valor aparece agregado. Não se trata de um erro, apenas de uma nova forma de apresentação do mapa que pode induzir uma leitura errada, aliás, pela sua tecnicidade. Ou seja, não se pode comparar o mesmo mapa de 2020 com o de 2021, porque esta comparação levará a conclusões incorretas”, defende o ministério. Por isso, o site da Direção-Geral de Orçamento vai disponibilizar um mapa interativo para facilitar a leitura dos números. Por fim, as Finanças confirmam que a Presidência da República receberá 16,8 milhões de euros em 2021.