A Igualdade presa entre a Forma e Substância: os exemplos no Ministério da Defesa e na EFACEC


Recentemente, esteve envolta em polémica a emanação de uma Diretiva, por parte do Ministério da Defesa Nacional, relacionada com a utilização de linguagem inclusiva nas Forças Armadas (Entretanto anulada pelo Ministro). Esta diretiva, com forte atenção mediática foi objeto de entusiasmado debate público acerca de questões da maior relevância como, entre outras: “nascido em” ou…


Recentemente, esteve envolta em polémica a emanação de uma Diretiva, por parte do Ministério da Defesa Nacional, relacionada com a utilização de linguagem inclusiva nas Forças Armadas (Entretanto anulada pelo Ministro). Esta diretiva, com forte atenção mediática foi objeto de entusiasmado debate público acerca de questões da maior relevância como, entre outras: “nascido em” ou “data de nascimento”; “os participantes” ou “quem participa” e “sejam bem-vindos” ou “boas vindas a todas as pessoas”.

Este é claramente um caso de forma sobre a substância, em que à forma/linguagem utilizada é atribuída uma importância que se sobrepõe à realidade substantiva, sobre a qual não tivemos a oportunidade de ser esclarecidos, i.e., se a discriminação em função do género e da orientação sexual é a prática corrente nas Forças Armadas e se esta diretiva se tornaria o instrumento principal para a combater.

A semana que passou trouxe também outra novidade na comunicação social relativa à eleição do novo Conselho de Administração da EFACEC, após a nacionalização da maioria do capital da empresa. De acordo com as notícias tornadas públicas, foi eleito em Assembleia Geral um novo Conselho de Administração constituído por 10 elementos dos quais 5 executivos e 5 não executivos (as pessoas em causa não têm relevância para o que aqui se escreve). Sendo que 9 serão homens (5 executivos e 4 não executivos) e apenas 1 é uma mulher (não executiva).

Trata-se, também, de um outro caso de forma sobre a substância. Pois ao que tudo indica a eleição da Administração não violou nenhum procedimento formal previsto na lei, mas terá, isso sim, violado uma disposição legal substantiva prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto (Regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa).

Neste caso particular, a EFACEC ao tornar-se uma empresa do setor público empresarial tem a obrigação de ter homens e mulheres representadas nos órgãos de administração e fiscalização em percentagem não inferior a 33,3%. O que a não se verificar determina a nulidade da sua eleição e consequentemente a nulidade de todos os atos de gestão praticados por essa mesma administração.

Estes casos mostram-nos várias coisas. Desde logo a preponderância no debate político e público sobre igualdade entre homens e mulheres incide na importância da forma em detrimento do conteúdo, em que se atribui excessivo significado à linguagem. Em contrapartida, quando estamos perante casos relevantes de discriminação legalmente qualificada como tal e onde se atribui um papel de efetivo poder (como é o caso da administração de empresas públicas) já ninguém se preocupa. A isto não será alheio, o que Daniel Oliveira escreveu recentemente no jornal Expresso, sobre a transformação do movimento feminista numa espécie de organizações de projetos em vez de agentes de transformação política.

Por outro lado, verificamos que em Portugal a legislação que se faz é muitas vezes incumprida quase desde o dia em que entra em vigor. O que nos leva a que, mais tarde, andemos sempre a correr atrás do prejuízo, porque as leis que se fazem são rapidamente esquecidas.

No caso relativo à Lei n.º 62/2017 o caso torna-se ainda mais pernicioso. A lei é recente. Foi alvo de um grande mediatismo e, no entanto, menos de 2 anos após a sua entrada em vigor, nada se sabe sobre o seu cumprimento. O que, pelo exemplo referente à EFACEC, apenas nos pode deixar apreensivos. Não se conhecem os relatórios da Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género (CIG) sobre o cumprimento da lei, não se conhece as repreensões efetuadas, se é que alguma foi efetuada, nem as sanções que possam ter sido aplicadas (no sítio da internet da CIG nada se refere).

A importância da linguagem utilizada não deve ser minimizada, mas para a efetiva igualdade entre mulheres e homens na sociedade portuguesa reputo de mais relevante as mulheres acederem a lugares de poder e no topo da pirâmide das empresas e, em particular, das empresas e da administração pública, que obrigar alguém a dizer “a coordenação” em vez de “o coordenador”.

Pedro Vaz

A Igualdade presa entre a Forma e Substância: os exemplos no Ministério da Defesa e na EFACEC


Recentemente, esteve envolta em polémica a emanação de uma Diretiva, por parte do Ministério da Defesa Nacional, relacionada com a utilização de linguagem inclusiva nas Forças Armadas (Entretanto anulada pelo Ministro). Esta diretiva, com forte atenção mediática foi objeto de entusiasmado debate público acerca de questões da maior relevância como, entre outras: “nascido em” ou…


Recentemente, esteve envolta em polémica a emanação de uma Diretiva, por parte do Ministério da Defesa Nacional, relacionada com a utilização de linguagem inclusiva nas Forças Armadas (Entretanto anulada pelo Ministro). Esta diretiva, com forte atenção mediática foi objeto de entusiasmado debate público acerca de questões da maior relevância como, entre outras: “nascido em” ou “data de nascimento”; “os participantes” ou “quem participa” e “sejam bem-vindos” ou “boas vindas a todas as pessoas”.

Este é claramente um caso de forma sobre a substância, em que à forma/linguagem utilizada é atribuída uma importância que se sobrepõe à realidade substantiva, sobre a qual não tivemos a oportunidade de ser esclarecidos, i.e., se a discriminação em função do género e da orientação sexual é a prática corrente nas Forças Armadas e se esta diretiva se tornaria o instrumento principal para a combater.

A semana que passou trouxe também outra novidade na comunicação social relativa à eleição do novo Conselho de Administração da EFACEC, após a nacionalização da maioria do capital da empresa. De acordo com as notícias tornadas públicas, foi eleito em Assembleia Geral um novo Conselho de Administração constituído por 10 elementos dos quais 5 executivos e 5 não executivos (as pessoas em causa não têm relevância para o que aqui se escreve). Sendo que 9 serão homens (5 executivos e 4 não executivos) e apenas 1 é uma mulher (não executiva).

Trata-se, também, de um outro caso de forma sobre a substância. Pois ao que tudo indica a eleição da Administração não violou nenhum procedimento formal previsto na lei, mas terá, isso sim, violado uma disposição legal substantiva prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º da Lei n.º 62/2017, de 1 de agosto (Regime da representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa).

Neste caso particular, a EFACEC ao tornar-se uma empresa do setor público empresarial tem a obrigação de ter homens e mulheres representadas nos órgãos de administração e fiscalização em percentagem não inferior a 33,3%. O que a não se verificar determina a nulidade da sua eleição e consequentemente a nulidade de todos os atos de gestão praticados por essa mesma administração.

Estes casos mostram-nos várias coisas. Desde logo a preponderância no debate político e público sobre igualdade entre homens e mulheres incide na importância da forma em detrimento do conteúdo, em que se atribui excessivo significado à linguagem. Em contrapartida, quando estamos perante casos relevantes de discriminação legalmente qualificada como tal e onde se atribui um papel de efetivo poder (como é o caso da administração de empresas públicas) já ninguém se preocupa. A isto não será alheio, o que Daniel Oliveira escreveu recentemente no jornal Expresso, sobre a transformação do movimento feminista numa espécie de organizações de projetos em vez de agentes de transformação política.

Por outro lado, verificamos que em Portugal a legislação que se faz é muitas vezes incumprida quase desde o dia em que entra em vigor. O que nos leva a que, mais tarde, andemos sempre a correr atrás do prejuízo, porque as leis que se fazem são rapidamente esquecidas.

No caso relativo à Lei n.º 62/2017 o caso torna-se ainda mais pernicioso. A lei é recente. Foi alvo de um grande mediatismo e, no entanto, menos de 2 anos após a sua entrada em vigor, nada se sabe sobre o seu cumprimento. O que, pelo exemplo referente à EFACEC, apenas nos pode deixar apreensivos. Não se conhecem os relatórios da Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género (CIG) sobre o cumprimento da lei, não se conhece as repreensões efetuadas, se é que alguma foi efetuada, nem as sanções que possam ter sido aplicadas (no sítio da internet da CIG nada se refere).

A importância da linguagem utilizada não deve ser minimizada, mas para a efetiva igualdade entre mulheres e homens na sociedade portuguesa reputo de mais relevante as mulheres acederem a lugares de poder e no topo da pirâmide das empresas e, em particular, das empresas e da administração pública, que obrigar alguém a dizer “a coordenação” em vez de “o coordenador”.

Pedro Vaz