O Orçamento do Estado para 2021 será entregue hoje e, para já as incertezas ainda são muitas no que diz respeito às medidas apresentadas, que estão guardadas a sete-chaves, numa altura em que as negociações com os partidos, principalmente com os de esquerda, continuam até à última (ver páginas 2/3). O país enfrenta uma crise económica e é necessário tentar colmatar as perdas e ajudar empresários e famílias.
O i falou com analistas para tentar perceber quais são as maiores dificuldades que este documento enfrenta neste ano atípico. “O documento enfrenta o período de maior recessão que provavelmente que o PIB português vai ter. Tendo vários desafios, o maior será sobre a redução da receita fiscal devido à menor massa tributável (do IVA, IRC e IRS)”, defende Pedro Amorim, analista da corretora Infinox.
Já Eduardo Silva, analista da corretora XTB, defende que a “legislação laboral, saúde, segurança social, pensões e salários na função pública são os pontos-chave para a aprovação do Orçamento com o apoio da esquerda”. Mas existem outros temas relevantes: “Depois temos algumas questões, como o Novo Banco, que pode igualmente estar em cima da mesa. No entanto, penso que este cenário não é novo e que as posições não estão tão extremadas como pode parecer”, diz ao i.
Mas, face à crise que atravessa o país, quais deverão os pontos que devem ter prioridade no Orçamento para o próximo ano? “Pelo esboço que já vimos, podemos dizer que poderá ser um erro tomar estas posições nesta altura. Significado de que não aprendemos com os nossos erros na estratégia para Portugal”, diz Pedro Amorim, revelando, no entanto, que “poderíamos aproveitar os fundos da Europa para aumentar a produtividade das empresas, com objetivo que estas, com o mesmo aumento da produtividade, conseguiriam ter melhores resultados e posteriormente melhores salários aos seus colaboradores”.
Eduardo Silva defende a aposta nas exportações, infraestruturas, reformas estruturais e direcionar os apoios para garantir uma economia mais verde. “O Governo terá que garantir ao mesmo tempo consegue implementar controlo e disponibilidade orçamental em igual medida para se ajustar a uma realidade que de facto é um desafio, mas ao mesmo tempo uma grande oportunidade para deixar legado se considerarmos os fundos europeus”, diz ao i.
Para o analista da XTB, a dificuldade será “garantir que o apoio chega a quem precisa e ter o cuidado de que não seja o tecido empresarial e gerações futuras a pagar o preço”. “Temos que gastar, mas temos que gastar bem. O que não pode acontecer é o exagero, temos um histórico de má utilização de fundos comunitários, sabemos que a crise é total, há que garantir apoios, mas ao mesmo tempo temos de criar condições para identificar e impossibilitar abusos”, alerta.
Partidos e exigências No entanto, há partidos que já se mostraram contra algumas medidas presentes no Orçamento para o próximo ano. O Bloco de Esquerda recusa que o Estado continue a financiar o Novo Banco e o Governo até já disse que este assunto está de fora. No entanto, Eduardo Silva diz que “não existe margem para alterar o que ficou acordado” e que, “na realidade estamos numa fase final do problema”. Até porque “o Novo Banco irá continuar a pedir dinheiro até atingir o valor máximo previsto”. O analista da XTB atira ainda que “a esquerda irá continuar a lamentar as injeções, mas é uma questão cuja margem negocial é zero”. “Ficou claro que, mesmo com auditorias a referir que existem operações menos claras, entra tudo no campo da subjetividade”.
Já Pedro Amorim não tem dúvidas que “já se sabe a relação do BE e restante esquerda sobre o sistema financeiro” e que “é um tema que muito se irá falar”. O analista acredita que “nesta matéria não se consegue chegar acordo” uma vez que “estamos a falar de contratos celebrados com o Estado em que o Estado tem de cumprir”.
Quando ao PCP, a opinião de que o partido está mais moderado é unânime. “O PCP parece mostrar alguma aproximação, uma vez que o governo parece disposto a ceder marginalmente nas pensões e salários na função pública. Penso que pode acabar por aprovar mesmo depois de algumas semanas a mostrar grande distância relativamente ao programa do governo”, defende Eduardo Silva.
Pedro Amorim diz mesmo que este tem sido o único partido “que ao longo dos 6 anos nunca mudou de posição política ao sabor do vento. Sempre ao lado dos trabalhadores e dos reformados. A sua maior preocupação será a quebra de rendimentos, e o que no OE tem para solucionar”.
O orçamento passa? Na opinião dos analistas ouvidos pelo i não há dúvidas que sim. “Nós no mercado financeiro já estamos habituados a ver estes ‘episódios de bastidores’”, diz o analista da Infinox.
“Apesar de, aparentemente, existir um impasse negocial, já se assistiu a este cenário nos últimos anos. Na realidade parece quase teatral, mas se temos que alimentar a especulação diria que o acordo é totalmente possível e o pior cenário – na minha opinião – é uma aprovação em que a esquerda aprova mas refere que gostaria de ter ido mais longe, mas que sentem que foi o acordo possível e que mostra sentido de Estado”, Eduardo Silva.
Para Pedro Amorim, o documento vai contar com abstenção do PCP, aquilo que considera “um voto a favor mas disfarçado”. Já as questões do BE – Novo Banco e questões laborais – são “não questões”. “No Novo Banco há um contrato com o Fundo de Resolução em que se o Estado não cumprir com a garantia, há posteriormente decisões judiciais”. Já no que diz respeito às questões laborais, o analista da Infinox lembra que “se as empresas deixaram de faturar ou tiveram quedas gigantes, não têm maneira alguma para suportar os custos com massa salarial. A via seria o endividamento, tal como o BE propõe, mas acho que o país já tem que pôr um travão em resolver os problemas endividando-se”.
Empresários exigem apoios Entretanto, há uns meses que os empresários portugueses têm pedido ao Governo que este Orçamento contemple medidas para que possam sair da crise em que ficaram devido à pandemia. Associações como a Associação Empresarial de Portugal (AEP) e a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) têm sido a voz dos empresários e já apresentaram várias propostas a criação de um fundo público de apoio à tesouraria das empresas, sem burocracia e com taxa de juro zero e fundos perdidos como forma de aumentar a capacidade industrial e potencial de exportações. Eduardo Silva diz ser defensor de que os apoios sejam condicionais. “Nunca a fundo perdido e sem controlos, penso que o controlo, burocracia e condicionalismo podem ser aligeirados mas sempre de forma a garantir que não se entra no exagero, ou seja, de forma a impedir ou minimizar abusos”, diz, lembrando que “o balanço é fundamental” e que “as exportações têm um papel fundamental e podem assumir novamente um papel importante na criação de emprego e recuperação, mas antes de crescer é fundamental garantir que sobrevivem e modernizam”.
Pedro Amorim alerta que “o Governo está fiel em que a procura vai voltar em breve, mas como o cenário económico está desenhado, mais brevemente as empresas entram em insolvência do que o regresso da procura”. O analista da Infinox diz que o fundo público de apoio à tesouraria ajudaria “a que as empresas pudessem aguentar os postos de trabalho” e não tem dúvidas que, neste ponto, o Governo terá de ceder ao BE “numa ou duas medidas”.
O que pode estar no documento O que contempla ou não o OE 2021 ainda é uma incógnita. No entanto, a comunicação social tem avançado com alguns pontos. Uma das medidas tem como principal objetivo estimular o consumo do turismo, restauração e alojamento. Assim, o Governo planeia devolver ao consumidor o valor correspondente ao IVA de uma refeição. A notícia foi avançada pelo Público. A título de exemplo, num almoço que custe 24 euros, o consumidor recebe 3, 12 euros.
Um dos temas que tem sido mais debatido é a retenção do IRS. O Expresso avança que vai baixar mas o Correio da Manhã diz que não, o que prejudicaria a classe média.
Recorde-se que o ministro das Finanças, João Leão, já tinha garantido que não vão existir aumento de impostos nem corte de rendimentos.