Na era das fake news e da pós-verdade, quando o jornalismo se procura encontrar, depois de desapossado do papel de gatekeeper pelas redes sociais que dão a cada cidadão a possibilidade de transmitir informações falsas ou verdadeiras sem o crivo jornalístico, eis que algum humor parece substituir o jornalismo, mostrando factos desconhecidos do grande público (e da maioria dos jornalistas) e, pela sua importância, transformando-os em notícias.
O programa de Ricardo Araújo Pereira e sua equipa, Isto é gozar com quem trabalha, é um bom exemplo do que afirmei.
Já por várias vezes o programa nos mostrou situações envolvendo políticos e outros responsáveis públicos, que nunca tinham sido divulgadas por órgãos de informação e que, embora emitidas com o objetivo de fazer rir, tinham evidente conteúdo noticioso.
O último exemplo foi o de diversas intervenções de militantes desconhecidos do grande público, no recente congresso do partido Chega.
O que se soubera do congresso, até à data do programa, tinha sido através das intervenções do líder, André Ventura e das tradicionais vox populi, para colorir as reportagens.
Alguma sobranceria adicionada a muita preguiça não captaram intervenções de militantes que dariam certamente o tom do congresso e, sobretudo, a linha de pensamento comum dos militantes do partido. Teria sido talvez bem mais interessante do que ouvir pela enésima vez André Ventura.
A forma como as intervenções foram divulgadas e, sobretudo, editadas, tinham um objetivo humorístico, sem dúvida, quer mostrando contradições evidentes com declarações do líder, quer evidenciando situações caricatas.
No entanto, mais uma vez, o trabalho do humor foi bem mais longe que o trabalho jornalístico.
O jornalismo não se pode contentar com a espuma dos dias e, sobretudo, ficar-se pela superficialidade em nome da rapidez na transmissão das notícias.
Para que continue a ser a “a imensa e sagrada locomotiva do progresso”, nas palavras de Victor Hugo, o jornalismo tem de reassumir a liderança na batalha da informação, seguindo a máxima de Joseph Pulitzer: “Ser breve para ser lido, claro para que gostem, original para que não esqueçam e preciso para que sejam guiados pela sua luz”.
Para que continue válida a opção de Thomas Jefferson: “ Se pudesse decidir se devemos ter um Governo sem jornais ou jornais sem Governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último”.
Jornalista