Durante a quarentena assistimos, talvez por via da conveniência de alguns, a subtis – algo incompreensíveis – alterações do quotidiano.
Um dos alimentos que sofreram aumento de preço foram os ovos, além de também se ter notado uma enorme procura deste produto que é, sem dúvida, um dos alimentos mais versáteis, práticos e económicos. Versáteis porque podem servir para doces ou salgados, para acompanhar ou como prato principal; práticos porque rapidamente se cozinham sem ser necessário juntar-lhes outros ingredientes; económicos porque, comparados com outros, têm um custo que os torna acessíveis a todas as bolsas. Porém, quando comemos um ovo esquecemo-nos de que ali está uma potencial galinha (caso este fosse fecundado e chocado).
É sobre galinhas que quero falar hoje, melhor, na verdade quero contar a história de uma galinha que afinal era águia.
A história começa com um ovo de águia que um camponês encontrou e que foi chocado por uma galinha. Depois de nascer, a pequena águia habituou-se a bicar o chão, a raspar a terra, a caminhar como as galinhas. Passados cinco anos, o camponês recebeu em sua casa a visita de um velho amigo veterinário que logo se apercebeu do comportamento da águia e desafiou o seu anfitrião a deixar que o animal tivesse a oportunidade de voar dali para fora. O camponês não acreditou ser possível, dado ter-se já passado muito tempo e com isso a habituação ter transformado o pobre animal. Apesar de tudo experimentaram soltar a ave no telhado, situação que não resultou em nada pois a águia, ao ver as outras galinhas, saltou para o meio delas.
Como o veterinário era teimoso, decidiu regressar à sua experiência mas desta vez levando a águia para o topo da torre da igreja. De facto, o animal esticou as asas e pulou. Bateu-as mas por pouco tempo acabando novamente por aterrar junto das outras aves. Por fim lá levaram a águia até ao cimo da montanha e lá a soltaram… bem longe das galinhas…
Então a nobre ave voou livremente na direção do horizonte até a perderem de vista…
Pergunto-me se o mesmo não nos acontece todos os dias, ao crescermos no meio de “galinhas”.
Enquanto não houver quem nos desperte para voos mais altos seremos apenas mais uma “galinha”. Chega a ser sufocante olhar para o nosso quotidiano e perceber o quão difícil é mudar o sistema. Caminhamos como galinhas, comemos como galinhas, vivemos como galinhas, chegamos a pensar como galinhas. Roubam-nos os ovos permanentemente e, como se isso fizesse parte do nosso processo de crescimento, obrigam-nos a pôr mais. Na verdade aguardam a engorda para depois no cortarem pescoço a temperar com limão. Por isso nunca será demais apontar para velha máxima que diz: Mais vale ser águia por um minuto do que galinha a vida inteira!
Professor e investigador