Foi recentemente divulgado que o Partido Socialista prepara alterações no que diz respeito às regras relativas ao Estatuto das Ordens Profissionais. Se bem que acertos deverão ser feitos nos critérios referentes ao acesso ao exercício de profissões autorreguladas, nomeadamente, no afastamento de regras, que mais não são que limitar excessivamente o acesso a determinadas profissões.
Na realidade, a definição de critérios que impõem excessivos custos monetários ao acesso, estágios não remunerados de duração variável em função do interesse da corporação ou mesmo avaliações sobre matérias que já foram alvo de estudo e avaliação no ensino superior, mais não são que entraves ao exercício das profissões aos que vão chegando ao mercado laboral. Portanto, mexer nesta tipologia de regras, uniformizando e garantindo que não se veta o acesso ao exercício profissional, para lá de um mínimo aceitável, é salutar e importante que se faça.
O busílis da questão reside no facto do Partido Socialista pretender ressuscitar um assunto que tinha sido, e bem, devidamente afastado – a possibilidade de constituir sociedades multidisciplinares que incluam sociedades de advogados. Trata-se de um erro por variadas razões.
Desde logo, porque não existe em Portugal um clamor pela criação desse tipo de sociedades, não se percebendo a necessidade de fazer ressurgir um assunto que foi devidamente enterrado em 2014, pelo Governo, pelos Partidos Políticos com assento parlamentar e até pela própria Ordem dos Advogados.
Apesar de se usar o argumento de ditas recomendações da OCDE e da EU, a realidade é que as recomendações assentam em questões de concorrência e mercado e, felizmente, em Portugal a justiça e o seu acesso, bem como o papel dos advogados, nunca foi encarada numa perspetiva mercantilista. As sociedades de advogados não são propriamente empresas prestadoras de serviços e entendidas como uma qualquer atividade mercantil.
Depois, choca ver um partido político de esquerda, como o PS, pretender fazer de sociedades de advogados um género de empresas comerciais em concorrência num mercado forense liberalizado, como se vendessem parafusos ou “croissants”.
Esta ideia peregrina de uma suposta vanguarda liberalizante e útil ao desenvolvimento da sociedade só pode esconder uma outra agenda. A agenda que fomentará as megas concentrações em conglomerados de empresas auditoras/consultoras/empreiteiras/investidoras financeiras/serviços e patrocínio jurídicos/e tudo o mais que der jeito. Reduzindo, sim, a verdadeira concorrência, que deverá ocorrer nos mercados que se encontram em concorrência, acrescentando ao cliente o bónus do patrocínio forense existente na porta ao lado.
Aliás, o passado recente, demonstrou à saciedade a necessidade de impedir este tipo de concentrações num mesmo grupo económico. Veja-se o que aconteceu na crise financeira de 2008 e entre nós no BES, onde a entidade que detinha o banco, era simultaneamente, detentora da empresa de investimentos a quem o Banco emprestava o dinheiro, e de participações sociais de clientes do banco e de fundos imobiliários vendidos pelo Banco. O resultado foi o que se viu, continuando os portugueses, agora através do Novo Banco, a pagar a fatura.
O patrocínio forense e demais atos dos advogados sendo fonte de rendimento dos milhares de advogados portugueses é bem mais que isso. Trata-se na realidade do cumprimento de um imperativo constitucional de acesso à justiça por parte de todos. A criação deste tipo de sociedades multiprofissionais não resultando de nenhuma vontade generalizada da Ordem dos Advogados ou da sociedade, serve verdadeiramente a quem? Surge agora porquê e para quê?
Pedro Vaz