Foram diferentes os últimos meses na consulta de hematologia no IPO de Lisboa: há novos circuitos, mais preocupações com os agendamentos para evitar que se juntem doentes, acompanhantes só em circunstâncias excecionais, testes ao SARS-CoV-2 antes de alguns procedimentos. Mas os diagnósticos, transplantes de medula e tratamentos continuam a ser feitos, e além das dúvidas e receios associados a doenças do sangue como as leucemias, a covid-19 trouxe novas perguntas. “Nesta altura, as pessoas estão preocupadas com a sua doença, mas também com toda a problemática deste vírus que não nos quer deixar”, diz Manuel Abecasis, diretor do serviço e presidente da Associação Portuguesa Contra a Leucemia.
É também para responder às novas dúvidas que vão sendo colocadas ou assaltando as cabeças que a Associação Portuguesa Contra a Leucemia (APCL) organiza, este fim de semana, as suas primeiras jornadas virtuais nacionais. O programa arranca sábado pelas 10h30 e vai muito além da temática do momento. As preocupações em torno da resposta à doença no país, a gestão de cuidados de enfermagem, os direitos dos doentes e cuidadores ou como lidar com os aspetos emocionais e conseguir uma alimentação adequada são alguns dos tópicos de um encontro que já estava planeado, mas que a epidemia levou a que acontecesse em formato virtual (as inscrições para o Zoom podem ser feitas no site da APCL).
“Não atrasem tratamentos”
Todos os anos são diagnosticados cerca de 100 casos de leucemias agudas no país, a maioria em jovens, e 550 casos de leucemias crónicas, que geralmente surgem na população mais velha. Manuel Abecasis considera que, para já, não se sente uma quebra nos diagnósticos, nomeadamente nas leucemias agudas, mas admite que poderão vir a existir alguns casos de diagnóstico mais tardios nos casos de leucemia crónica, fruto de ter havido uma quebra também nas consultas de medicina geral familiar e de a população poder ter mais receio de procurar cuidados de saúde. A recomendação é para que, perante sintomas como cansaço fácil e persistente, que se agrava em poucos dias, o aparecimento de febre, dores de garganta, nódoas negras e o sangrar da gengivas ou do nariz, se procure o médico. “São sintomas que não são específicos mas que, mantendo-se, não devem ser desvalorizados”, diz Manuel Abecasis.
Já houve pelo menos um artigo numa revista científica da especialidade a alertar que, sendo alguns sintomas parecidos com os que podem fazer suspeitar do novo vírus, poderão passar despercebidos ou levar a diagnósticos tardios. “É um risco que existe”, admite Manuel Abecasis. “Estamos todos ainda a aprender sobre a melhor forma de lidar com esta doença e vão sendo emitidas orientações em função desse conhecimento”, assegura.
Já aos doentes em acompanhamento, o apelo é para que não faltem a consultas e tratamentos por receio. “O nosso apelo é que não atrasem os tratamentos. Podem ter a certeza de que vão fazê-los em segurança, com todas as medidas implementadas. Se há situações em que o tratamento pode ser adiado e isso é necessário, os doentes são informados e são remarcadas as consultas. Nos casos em que é necessário manter o calendário de tratamento, recomendamos às pessoas que não deixem de ir aos tratamentos e que caso tenham alguma sintomatologia, febre, queixas respiratórias, informem antes para que possam ser encaminhadas para o local devido”, diz o médico.
Com a chegada do tempo frio e mais vírus a circular – desde logo, a gripe –, Manuel Abecasis acredita que este período será sobretudo de maior sobrecarga para as equipas hospitalares, com a necessidade de mais cuidado para despistar queixas respiratórias e mais zaragatoas. “Vai ser um período delicado, mas o principal é que as pessoas confiem e continuem a recorrer aos cuidados de saúde”, antevê o médico.
No domingo, o tema em discussão nas jornadas será o acesso a medicamentos inovadores, com a análise de médicos mas também de peritos da DGS e Infarmed sobre como são aprovados novos medicamentos e os avanços nesta área. Manuel Abecasis considera que nos últimos anos tem havido “avanços tremendos” que vão consolidando um novo paradigma. “Há muita medicação nova, sobretudo medicamentos que já não são aquilo que entendemos como a quimioterapia clássica e se baseiam no conhecimento das vias moleculares que desencadeiam a doença, são mais dirigidos às células malignas, poupando as células normais”, resume.
Quanto ao tempo até chegarem aos hospitais, o médico sublinha que há procedimentos a seguir na regulamentação a nível europeu e nacional e a avaliação fármaco-económica a cargo do Infarmed, um processo que doentes e médicos gostavam que fosse mais rápido, mas que acredita que, em Portugal, não está assim tão mal na fotografia. “É evidente que quem trata de doentes quer que seja tudo mais rápido. A minha opinião é que os processos podiam ser mais destros, mas se nos compararmos com Itália, Espanha ou Inglaterra, não estamos muito longe da mediana do tempo de aprovação de medicamentos inovadores nestes países”.