Ficámos a saber recentemente que o Papa Francisco assinará uma nova encíclica Fratelli tutti no próximo dia 3 de outubro em Assis – Todos irmãos. Recordemos que a palavra irmão foi escolhida pelo Papa para ser a primeira a ser pronunciada depois da sua eleição, quando saudou o mundo a partir do Vaticano. Aquela expressão espelha e sintetiza a mensagem de Cristo e a missão da Igreja e, apesar desta carta ainda não ter sido publicada, conhecer-lhe o título é quanto baste para a compreender. Se por mero acaso o Papa não chegasse a divulgar o seu conteúdo, o título bastaria para traduzir o que julgamos ser a sua mensagem e o seu testemunho. Não é em vão que para tal acontecimento se tenha escolhido a cidade Assis, a cidade de São Francisco, para anunciar o que ainda não fomos capazes de fazer nem de aprender – amarmo-nos como irmãos. Dois milénios não chegaram e o fracasso não é apenas da Igreja pois outras comunidades há que desejam implementar a fraternidade no mundo. Sem sucesso.
A nossa natureza, por vezes, parece resistir, como se estivéssemos presos à história de Abel e Caim, que se repete e repete sem com ela aprendermos o que quer que seja. O sangue dos nossos irmãos continua a ser derramado na terra por nossa culpa. Culpa que vem não só dos crimes que cometemos com as nossas próprias mãos mas também através da indiferença e da arrogância com que nos distanciamos dos fracos, dos inocentes e dos marginalizados. Nos dias de hoje há tantas formas de matar, de violentar, de roubar, de mal tratar, de obrigar… subtilmente.
Ocorre-me falar da história do patinho feio, o conto popular que nos faz pensar nas diferenças e que suscita problemas de identificação. Na verdade as hipóteses não se reduzem a duas. Há o próprio patinho feio, que sofre as consequências da diferença com a exclusão, os irmãos que o excluem e criam barreiras deixando-o de parte, a mãe, que porque não cumpre o seu papel, o afasta e permite que o discriminem e os restantes animais que o julgam pela diferença.
Ser diferente nunca agradou. Talvez porque a diferença nos obrigue a pensar e a olharmo-nos. Há por isso gente que, depois de escutar a história do patinho feio, passa uma vida inteira à espera de se transformar num lindo cisne mas, apesar de nos contos infantis tudo acabar bem, na vida real nem sempre assim acontece. Há patinhos que nunca chegarão a cisnes e, por vezes, simplesmente porque não o são.
Viver num mundo de paz, tolerância e fraternidade é uma utopia pela qual devemos nortear as nossas vidas. Os políticos que procuram votos gostam de recorrer à expressão “os trabalhadores”, julgando com ela abarcar o maior número possível de indivíduos, mas esquecem-se de que irmãos é a palavra mais nobre e universal jamais inventada. Por isso, não precisamos de camaradas nem de companheiros… precisamos de irmãos.
Quero ainda acrescentar uma ideia interessante – A Teoria do Cisne Preto. Recorre-se à Teoria do Cisne Preto (animal raro na natureza e não documentado até ao século XVIII) para se referir um evento inesperado de grande magnitude cujas consequências mudam o rumo da história. Este acontecimento de impacto desproporcionado que está para lá das expectativas normais, integra ainda a impossibilidade de se calcular a probabilidade de ser previsto. Deste modo, pode ser que, à semelhança desta teoria, um dia destes um cisne preto apareça.
Professor e investigador