1. Não vale a pena vender ilusões. Se o SNS colapsar no combate ao covid-19 como sucede em muitas outras áreas, o país entrará em confinamento geral por decisão autónoma dos cidadãos, que o Governo teria inevitavelmente de seguir. Por muito que os responsáveis o sugiram subliminarmente, é óbvio que não se poderá jamais, na Europa e em Portugal, seguir as políticas desumanas de Bolsonaro ou de Trump. Apesar disso, multiplicam-se em Portugal posições que refletem o desejo de não parar em nenhuma circunstância, a fim de evitar uma catástrofe económica. Todos queremos que as coisas andem dentro da normalidade possível e com uma economia viva. Mas se a situação se agravar substancialmente, acontecerá o que já sucedeu antes: os cidadãos tomarão a decisão de parar e os políticos não terão outro remédio a não ser acompanhar o movimento. Na Europa, onde há por enquanto um Estado social, não existe disponibilidade para aceitar a teoria que está subjacente ao comportamento de certos americanos e brasileiros, segundo a qual uma doença que mata pobres, doentes e velhos está a eliminar os fracos e, portanto, a fortalecer a sociedade, a diminuir-lhe encargos e a permitir que haja uma dinâmica económica maior. Uma política humanista deve, obviamente, fazer tudo para que não seja necessário parar totalmente um país. Deve impor medidas restritivas parciais e adaptar a lei a essa necessidade face à pandemia. Deve preparar a saúde pública para o novo embate. Deve evitar que os médicos que não estão a trabalhar no covid-19 desertem. Deve criar soluções inovadoras para que haja atividade económica. Mas se o número de mortos e internamentos atingir uma dimensão que não permita ao SNS dar resposta, tem mesmo de se assumir a paragem, sob pena de deixarmos de ser uma sociedade democrática e civilizada, tornando-nos um salve-se quem puder.
2. Jamila Madeira ficou surpreendida por ter sido removida do Governo por Marta Temido. As duas não se entenderam e a ministra despachou a secretária de Estado Adjunta à primeira oportunidade. Neste processo, o que foi verdadeiramente surpreendente é Jamila ter ido parar ao Governo. Não é por ter participado na feitura de uma lei de saúde (por sinal, péssima) que se ganham galões de especialista. Jamila Madeira é uma política partidária no sentido mais puro do termo. Filha de um político, nasceu nesse ambiente e cresceu no meio de listas para isto e mais aquilo, sempre em jogos de poder. É também dos quadros de uma empresa, a REN, que sempre foi altamente politizada e hoje pertence ao Governo chinês. A sua presença no Governo teria sido mais natural numa pasta política, mas aí pontifica Mariana Vieira da Silva, filha de outro dinossauro socialista que deixou a Segurança Social e o Montepio de pantanas. Mas não há problema. Um dia, com Costa ou outro, Jamila voltará, talvez como secretária de Estado ou eventualmente como ministra ou eurodeputada. Talvez até como gestora de um banco ou de uma empresa controlada partidariamente na qual interesse ter políticos. À porta do IEFP é que, de certeza, nunca ninguém a verá.
3. Sucedem-se sondagens que revelam mais ou menos a mesma coisa, com pequenas diferenças. O PS ganharia folgadamente as eleições. O PSD seria derrotado por cerca de dez pontos. A esquerda teria várias geometrias para formar Governos e acordos. Já a direita não teria nenhuma. Desde logo, porque mesmo que o Chega crescesse muito e pudesse juntar Rui Rio e Ventura, a sociedade portuguesa e as suas forças vivas de esquerda jamais deixariam criar um clima social que permitisse uma experiência governativa desse tipo. Mais: os verdadeiros PSD haveriam de rejeitá-la, lembrando que Ventura foi afastado por Passos Coelho de listas autárquicas do partido e que o Chega não é compatível com a social-democracia. O partido de Ventura mostrou na sua reunião magna do fim de semana que nada o diferencia substancialmente dos outros quanto a defeitos, jogadas e golpadas. Mais civilizado, o Iniciativa Liberal vai, entretanto, ganhando algum espaço, mas parece ser só à conta do CDS, o que é pouco para ser verdadeiramente protagonista. Em resumo, há muito do mesmo na nossa política, apesar de António Costa estar a derrapar, acumulando erros como a história do Benfica (cuja bota descalçou brilhante e judiciosamente antes de uma decisão judicial), a remodelação atabalhoada e insuficiente, o confronto com Centeno, a entrada em cena de uma exaltada Ana Gomes e, claro, as dezenas de coisas que ele e os seus ministros vão prometendo e nunca cumprem.
4. Consciente da sua limitação à direita, Rui Rio deu uma entrevista ao Polígrafo, na SIC, na qual não afastou a hipótese de Paulo Portas poder ser candidato à Câmara de Lisboa com apoio do PSD. Na altura, nem sequer respondeu quando foi interrogado sobre o nome de Ricardo Baptista Leite, que muitos sociais-democratas consideram um excelente candidato. Não rejeitou, portanto, a hipótese levantada há dias por um Poiares Maduro regressado à política ativa recentemente, multiplicando intervenções numa frenética e desenfreada ânsia de protagonismo. Rio esteve seguro e fluente na entrevista e aproveitou para denunciar a circunstância de a PGR se arrastar anos para tratar certos casos e ter levado só 30 dias (e logo em agosto) para fazer saber que não viu nada de estranho nas recentes operações no Novo Banco, que podem custar muitos milhões a Portugal. Ficou dito que vai apoiar a proposta do Bloco de Esquerda para que haja uma comissão de inquérito ao caso Novo Banco. Foi uma intervenção positiva de Rio que, no entanto, não consegue constituir uma equipa sólida, coerente e eficaz, apesar de multiplicar órgãos de consulta para confortar alguns egos que pouco ouve. Prefere tocar sozinho, rodeado de incondicionais.
Escreve à quarta-feira