Os pontapés da política


O futebol em Portugal não é um sítio muito bem frequentado e seria de esperar que um chefe do Governo não se misturasse em comissões de honra de uma candidatura.


Na vida política portuguesa são raros os momentos em que existe convergência entre partidos tradicionalmente opostos. Na verdade, as grandes questões nacionais são sempre motivo de disputa parlamentar ou de debate na comunicação social.

Mas há um assunto que gera consensos inesperados: o futebol.

O recente apoio do primeiro-ministro, António Costa, à candidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica gerou, sem dúvida, muitas e justificadas críticas. Mas no caso do líder parlamentar do CDS, ferrenho benfiquista e também apoiante da mesma candidatura, veio uma justificação e até críticas aos críticos.

Telmo Correia alegou que “não há nenhum impedimento legal” ao apoio do primeiro-ministro, António Costa, à recandidatura de Luís Filipe Vieira e acrescentou mesmo que as críticas são “hipócritas” e “populistas” e que o apoio depende apenas da “consciência” de António Costa. Criticava também, certamente, o líder do seu partido, que atacou publicamente António Costa, acrescentando ainda que “normalizar isto é dar oxigénio à fogueira que vai queimando a confiança no Estado democrático”.

Mas a realidade é esta: o que a política separa, o futebol une. E de que maneira.

A questão já foi muito discutida, mas vale a pena refletir sobre o que pode levar um primeiro-ministro, um presidente da câmara da capital e dirigentes partidários a juntarem-se a artistas e ex-jogadores de futebol numa comissão de honra de uma candidatura a um clube desportivo.

Nada disto teria importância se estivéssemos a falar de um desporto vulgar. Mas o futebol já há muito deixou de o ser, para se tornar um grande negócio que movimenta cerca de 30 mil milhões de euros a nível mundial.

Em 2019, o futebol masculino rendeu na Europa, em transferências, 7,35 mil milhões de dólares. O nosso pequeno Portugal viu, na época de 2018-2019, a sua Liga de futebol ser a segunda na Europa com mais valores de transferências: 384 milhões de euros.

O problema, no entanto, é a consequência de um negócio que, arrastando milhões, ainda tem muitas áreas obscuras, como a questão das comissões aos empresários e as compras de clubes de futebol para lavagem de dinheiro, entre outras.

Um negócio de muitos milhões atrai toda a espécie de gente. E a verdade é que, só para falar do caso português, não têm faltado, nos últimos anos, investigações judiciais por suspeitas de corrupção.

A promiscuidade entre titulares de cargos públicos e o futebol não é saudável. O futebol em Portugal não é um sítio muito bem frequentado e seria de esperar que um chefe do Governo, pelo menos, não se misturasse nesse meio, neste caso, em comissões de honra de uma candidatura.

Mas, na verdade, em muitos casos, políticos e futebolistas têm algo em comum: praticam a sua atividade com os pés.

 

P.S. – Esta crónica já tinha sido escrita e enviada quando foi anunciada a retirada da lista da comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira do primeiro-ministro, do presidente da Câmara de Lisboa e de outros titulares de cargos públicos, alegadamente por iniciativa do candidato. A decisão, longe de resolver o problema, ainda o agrava, uma vez que Luís Filipe Vieira, afinal, convidou o primeiro-ministro nessa qualidade, e não o cidadão António Costa. Foi pior a emenda que o soneto.

 

Jornalista