Que grande estreia de Von der Leyen, no Parlamento Europeu, no seu primeiro discurso no Estado da União.
Ficará o registo com que a líder europeia engrossou a voz e subiu o tom na política externa para defender melhor emprego, a defesa de que todos os europeus devem ter acesso a salários mínimos e, lá está, melhor saúde. Ficará na retina o aviso cru sobre como “o povo europeu ainda está a sofrer com a pandemia” e, sobretudo, a delicadeza musculada com que fortemente exigiu mais poder para Bruxelas na área da saúde.
Esteve muito bem. Tomara vivermos todos nesta clarividência, sobre a Saúde, em qualquer Estado-Membro.
A saúde precisa de voz, ativa, e não de silêncios políticos. É preciso coragem para se propor um caminho que seja alternativo. É preciso consciência e conhecimento para se ter criatividade de propostas para este “novo-normal”. A Presidente da Comissão Europeia demonstrou, pelo menos, foco e arrojo em como fez. Que sirva de exemplo. Portugal, estiveste atento ontem a Bruxelas?
Iniciou o discurso precisamente pelo bom princípio: Prestando homenagem aos serviços de saúde, que fizeram "milagres perante um vírus mil vezes mais pequeno que um grão de areia, que mostrou a fragilidade planetária", disse. E bem, não falhou. Mas esta era a única parte em que o improviso e o melhor sorriso respondiam facilmente em politiquês. Também faz parte. O resto, esse complexo resto de que tantos fogem, das propostas, é que já não “vai lá” com conversa apenas. Vai com ideias. E foi. Foi assim que von der Leyen respondeu.
Apontou o dedo, primeiro, ao que pode ser mais óbvio, para quem vive e conhece a Saúde, com o objetivo de tornar essa nova “política de saúde europeia reforçada” numa realidade evidente. Apontou, como primeiro passo, reforçar e dar mais poder à Agência Europeia do Medicamento (EMA) e ao Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças, através de proposta do seu Executivo. Muito certo, mesmo muito certo, e subscrevo também esta ideia, que aplaudo, mas é preciso que a própria Agência Europeia do Medicamento seja capacitada para isso. É preciso reconhecermos, todos, sem medos, que houve uma forte perda de talento que ficou retida Reino Unido. E, também por isso, percebermos que este reforço e capacitação têm de fazer a EMA acelerar o ritmo e o passo, sem comparações com a FDA americana, mas com a nossa realidade apenas.
Num segundo ponto, novo “tiro certo” de Ursula von der Leyen. A criação da Agência para investigação avançada no campo da biomedicina será mesmo, como foi dito, um belíssimo passo para apoiar e reforçar a capacidade e prontidão da União Europeia para responder a ameaças e emergências transfronteiriças. É a hora certa! Com os programas de eHealth, com a digitalização na Saúde, com a modernização efetiva da Saúde como um todo, usando estes “novos” recursos que já são novos há velho tempo porque na ciência o ontem é muito antigo. A Europa ganhará com a aposta, também, no apoio à investigação na biomedicina.
A ambição de criar reservas estratégicas de produtos farmacêuticos para enfrentar as dependências da cadeia de abastecimento, que ficou mais visível durante a pandemia da COVID-19 é algo que, embora evidente, tem mesmo de ser trabalhado. O futuro demonstrará a superação das indústrias farmacêuticas durante todo este processo que o vírus SARS-CoV-2 trouxe. À data, erroneamente, fala-se muito em conversa vazia da demora (que não é) na produção de uma nova Vacina, mas o futuro reconhecerá o espírito de missão e superação de todo um setor.
E que bom, finalmente, se ouvir e ler a ambição política europeia de puxar por uma “Cimeira Global da Saúde” já para 2021, em Itália, “anunciado” conjuntamente com o Primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte, que presidirá o G20 no próximo ano. Sim, a Europa não pode esquecer que uma crise global precisa de retirar lições também elas globais. Foi mais um ótimo sinal, de esperança, do que de bom deixará o final desta pandemia que, infelizmente, nestes dias tem feito os números de novos casos dispararem em todo o nosso “Velho Continente”.
Propostas e olho no futuro. Nas respostas e nas possíveis soluções. O setor da saúde será discutido na conferência sobre o Futuro da Europa e, ainda bem, para se debater inclusive a questão das competências da saúde porque a COVID-19 veio mesmo deixar claro que a decisão individual dos Estados-Membros é mais frágil que uma definição de políticas na área da Saúde integrada a partir de Bruxelas. Não, não pareceu a quem ouviu com atenção, que se queira limitar, por exemplo, o SNS português ou diminuir o enfoque da aposta em saúde a nível nacional. Pretende-se açambarcar conhecimento de todos os Estados-Membros para melhorar a individualidade de cada um desses estados. E, parece, que o caminho da evolução é por aí. Os processos, basta vermos, como exemplo, de benchmarking não funcionam selecionando os melhores exemplos? Pois então. Que na saúde não se perca a vontade de superar o presente e evoluir no futuro.
A nova vitalidade que a Comissão Europeia demonstrou ontem vem fazer frente à fragilidade que hoje toda a Europa, e o Mundo, vive. Redescobrimos os valores comuns de todos, realmente, nestes meses de luta em conjunto, e vieram valorizar o quão ainda confiamos todos uns nos outros e como as instituições europeias são credíveis.
A Europa demonstrou a força que tem. Não nos falhou. Às vezes, na história, e vivemos um desses “às vezes”, devemos ter orgulho de ser europeus. A preocupação real, a coragem de sair da área de conforto assente no silêncio (que cá assistimos, internamente, infelizmente), o foco na saúde como prioridade assente em soluções e propostas (que bom quando assim é! Vê como se faz, Portugal!) e o caminho que von der Leyen demonstrou, baseado em vitalidade e esperança com propostas, fazem-nos acreditar.
Acreditar numa União Europeia da Saúde mais forte, numa Europa melhor e numa resposta mais concertada e eficaz no durante, que ainda vivemos e com números difíceis, e sobretudo pós-pandemia.
Ontem, todos, acreditámos mais. Na Europa, mas também em Portugal. Haja Saúde.
Carlos Gouveia Martins