A bendita diferença de género e os seus inimigos


As mulheres podem fazer tudo ou quase tudo tão bem ou mesmo melhor do que qualquer homem. (Sei do que falo, tenho provas disso em casa.) Mas não querem.


por Guilherme Valente

1. Mascarada com a designação respeitável de Educação para a Cidadania – designação para algo que ninguém decente pode deixar de considerar desejável, e por isso o logro funcionou –, o Governo do Partido Socialista, republicanista, democrático e liberal, nos ideais fundadores, na história, combates, vitórias e grandes figuras, como se espera que seja, levou ou deixou levar para a escola, com caráter coercivo, uma disciplina cujo verdadeiro objetivo fere as liberdades, o conhecimento científico e o âmago da consciência individual – uma aberração que atribui ao Estado um poder totalitário a que nenhuma tirania se atrevera, sem que o seu artífice pareça revelar, aliás, nem um mínimo de qualidade intelectual e cultura para ter consciência destes factos. Não obedece à razão, cumpre uma ordem. Lembra-me, sinceramente, na hipocrisia e boçalidade do discurso e do caráter dos objectivos, os padres mais fanáticos que, traindo o cristianismo, assombraram a minha Leiria no tempo da minha juventude.

Não é, portanto, à cidadania que se opõe quem assinou o manifesto.

E que dizer do “argumento” salazarento para criticar um socialista notável, de qualidades intelectuais singulares, e outras figuras do país que são referência de inteligência e liberdade por terem subscrito o manifesto: “Deve alguém decente assinar um documento subscrito por Cavaco Silva e Passos Coelho?” Insultaram?

Eu assinei o manifesto. E assinarei qualquer outro que diga o mesmo (assinei vários contra o AO), seja lá quem for que o assine, Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins, André Ventura ou Isabel Meireles (que, não simpatizando em nada com o CDS, considero uma deputada que se destaca), que em todos os partidos há gente de bem. Porque só eu me represento a mim próprio ou em quem delegue. E acrescento: honra-me até ter assinado um documento de que Pedro Passos Coelho é subscritor.

Penso mesmo que entre as pessoas que assinaram o manifesto antimanifesto, apesar do significativo número de sociólogas, muitas não terão lido os documentos, mas apenas obedecido aos pastores. Mas o mais indecoroso e preocupante nisto tudo é não se ouvir uma voz do PS a protestar contra os insultos torpes a Sérgio Sousa Pinto.

2. Sobre a inadequação de tal disciplina, se o seu verdadeiro objetivo correspondesse à sua designação, sobre o modo e o método como uma verdadeira educação para a cidadania é realizável e inerente a uma escola de um país livre, sobre a impraticabilidade, o disparate do seu programa e da amálgama de conteúdos com que se disfarça a aberração que se pretende impor, tudo já foi dito e é claro. E bastará a leitura do texto luminoso de Sérgio Sousa Pinto no Expresso para o explicar (espero que o facto de o citar não faça com que lhe atirem mais lepra). Um recordação en passage: conheci-o há muitos anos quando o meu amigo Mário Soares me telefonou a pedir – isto é, para mim, a dizer-me – que lhe publicasse um livro. Bastar-me-ia isto para estar ao lado dele, porque há memória que não se trai.
3. Agora lembro apenas a salganhada de conteúdos com que a mentira é servida: Dimensão europeia da educação. Educação ambiental para a sustentabilidade. Educação do consumidor. Educação financeira. Educação intercultural. Educação para a segurança, a defesa e a paz. Educação para a igualdade de género. Educação para o risco. Educação para o desenvolvimento. Educação para o empreendedorismo. Educação para o voluntariado. Educação para os direitos humanos. Educação para os média. Educação rodoviária. Educação para a saúde. E, indicação final – gato escondido com… todo o gato de fora – para a sexualidade. Voilà, last but… the important!

Não é mesmo gozar com os pais e os portugueses? Uma escola que nem consegue ou não quer ensinar com eficácia (querem que prove?) o mais básico e instrumental que antes de tudo lhe cumpre: a ler e a escrever, o gosto da leitura? Pode haver cidadania sem cidadãos letrados e cultos?

No fundo de tudo está um paroxismo da cegueira ideológica mais fanática, de ódio aos valores iluministas, mesmo que não saibam o que isso é, ao humanismo, aos factos, à ciência, rejeição impossível da realidade, sadomasoquista nalguns. Sofrimento instrumentalizado por seitas de políticas ressentidas e frustradas por sucessivas profecias falhadas e recorrentes vitórias da liberdade. Leiam-se os textos obscurantistas em que se inspiram e atente-se no currículo dos autores convocados.

4. Desprezo também a cobardia do secretário de Estado ao não assumir a responsabilidade da retenção dos dois alunos, depois de a escola ter homologado a sua transição. “Apenas se chamou a atenção da escola para a lei”, disse, na AR, o salazarento.

E têm o despudor de evocar como referência os direitos humanos, o humanismo, o universalismo… “Educação para a Ideologia”, a mais aberrante, é o seu nome verdadeiro, e é crime pois é imposta desde logo a crianças do pré-primário, construções sociais antinaturais, lesa-humanidade, que no futuro lhes poderão causar traumas terríveis. Evidência que torna imperativo para os homens de bem, de todos os partidos ou de partido nenhum, enfrentarem-na.

5. Resta insistir no que é o seu verdadeiro objetivo, logo revelado pelos documentos-guia elaborados pela Secretaria de Estado, pelas perguntas nauseabundas impostas a crianças: a inculcação tarada de uma igualdade de género… que não há. Tara que todas as evidências contrariam, que o conhecimento científico nega, com provas sempre crescentes.
Um grande problema para quem quer impor essa mentira é verificar-se nas sociedades mais prósperas, mais iguais e mais livres, que permitem às mulheres todas as escolhas profissionais e pessoais – mulheres que são, aliás, excelentes e mesmo melhores alunas em todas as matérias, capazes de exercer qualquer profissão como estão a provar –, a sua opção predominante pelas profissões que os mais avançados estudos cognitivos identificam como correspondendo a especificidades femininas ou masculinas, desde o nascimento logo observadas… antes de qualquer socialização. Facto que remete para o biológico, cujo mecanismo vem sendo cada vez mais bem compreendido.

Sempre que os cientistas criaram um contexto absolutamente igualitário, as diferenças de género não só não se dissiparam como, pelo contrário, se manifestaram mais vincadas em cada um deles. É a evidência da predominância da biologia em desfavor da socialização, que pode alguma coisa, mas não determina nada.

Especificidades e performances femininas que a ciência – a verdadeira, não a da sociologia, que o não é, mas é ideologia – verifica estarem ligadas à abençoada natureza de mulher.

Mulheres que podem fazer tudo ou quase tudo tão bem ou mesmo melhor do que qualquer homem. (Sei do que falo, tenho provas disso em casa.) Mas não querem. A cultura pode acentuar tudo nalguns casos, o bem ou o mal, mas nunca o anula, repito. E tentar fazê-lo neste registo é infligir ou acentuar cruelmente sofrimento, inconfessado ou manifesto de um modo ou de outro.

Note-se que os cientistas que vão descobrindo cada vez mais evidências da diferença de género (ler Steven Pinker, por exemplo) não dizem que a cultura não acentue ou não possa contrariá-la, forçá-la, mas para quê? Para satisfazer anormalidades em si respeitáveis, mas nestas manifestações reveladas como afeções da mente? Para empobrecer e mesmo matar suicidariamente a humanidade?

E daí que esta mentira da “educação para a cidadania” revele o mais denso e preocupante obscurantismo.

 

Ensaísta e editor; escreve semanalmente no SOL

A bendita diferença de género e os seus inimigos


As mulheres podem fazer tudo ou quase tudo tão bem ou mesmo melhor do que qualquer homem. (Sei do que falo, tenho provas disso em casa.) Mas não querem.


por Guilherme Valente

1. Mascarada com a designação respeitável de Educação para a Cidadania – designação para algo que ninguém decente pode deixar de considerar desejável, e por isso o logro funcionou –, o Governo do Partido Socialista, republicanista, democrático e liberal, nos ideais fundadores, na história, combates, vitórias e grandes figuras, como se espera que seja, levou ou deixou levar para a escola, com caráter coercivo, uma disciplina cujo verdadeiro objetivo fere as liberdades, o conhecimento científico e o âmago da consciência individual – uma aberração que atribui ao Estado um poder totalitário a que nenhuma tirania se atrevera, sem que o seu artífice pareça revelar, aliás, nem um mínimo de qualidade intelectual e cultura para ter consciência destes factos. Não obedece à razão, cumpre uma ordem. Lembra-me, sinceramente, na hipocrisia e boçalidade do discurso e do caráter dos objectivos, os padres mais fanáticos que, traindo o cristianismo, assombraram a minha Leiria no tempo da minha juventude.

Não é, portanto, à cidadania que se opõe quem assinou o manifesto.

E que dizer do “argumento” salazarento para criticar um socialista notável, de qualidades intelectuais singulares, e outras figuras do país que são referência de inteligência e liberdade por terem subscrito o manifesto: “Deve alguém decente assinar um documento subscrito por Cavaco Silva e Passos Coelho?” Insultaram?

Eu assinei o manifesto. E assinarei qualquer outro que diga o mesmo (assinei vários contra o AO), seja lá quem for que o assine, Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins, André Ventura ou Isabel Meireles (que, não simpatizando em nada com o CDS, considero uma deputada que se destaca), que em todos os partidos há gente de bem. Porque só eu me represento a mim próprio ou em quem delegue. E acrescento: honra-me até ter assinado um documento de que Pedro Passos Coelho é subscritor.

Penso mesmo que entre as pessoas que assinaram o manifesto antimanifesto, apesar do significativo número de sociólogas, muitas não terão lido os documentos, mas apenas obedecido aos pastores. Mas o mais indecoroso e preocupante nisto tudo é não se ouvir uma voz do PS a protestar contra os insultos torpes a Sérgio Sousa Pinto.

2. Sobre a inadequação de tal disciplina, se o seu verdadeiro objetivo correspondesse à sua designação, sobre o modo e o método como uma verdadeira educação para a cidadania é realizável e inerente a uma escola de um país livre, sobre a impraticabilidade, o disparate do seu programa e da amálgama de conteúdos com que se disfarça a aberração que se pretende impor, tudo já foi dito e é claro. E bastará a leitura do texto luminoso de Sérgio Sousa Pinto no Expresso para o explicar (espero que o facto de o citar não faça com que lhe atirem mais lepra). Um recordação en passage: conheci-o há muitos anos quando o meu amigo Mário Soares me telefonou a pedir – isto é, para mim, a dizer-me – que lhe publicasse um livro. Bastar-me-ia isto para estar ao lado dele, porque há memória que não se trai.
3. Agora lembro apenas a salganhada de conteúdos com que a mentira é servida: Dimensão europeia da educação. Educação ambiental para a sustentabilidade. Educação do consumidor. Educação financeira. Educação intercultural. Educação para a segurança, a defesa e a paz. Educação para a igualdade de género. Educação para o risco. Educação para o desenvolvimento. Educação para o empreendedorismo. Educação para o voluntariado. Educação para os direitos humanos. Educação para os média. Educação rodoviária. Educação para a saúde. E, indicação final – gato escondido com… todo o gato de fora – para a sexualidade. Voilà, last but… the important!

Não é mesmo gozar com os pais e os portugueses? Uma escola que nem consegue ou não quer ensinar com eficácia (querem que prove?) o mais básico e instrumental que antes de tudo lhe cumpre: a ler e a escrever, o gosto da leitura? Pode haver cidadania sem cidadãos letrados e cultos?

No fundo de tudo está um paroxismo da cegueira ideológica mais fanática, de ódio aos valores iluministas, mesmo que não saibam o que isso é, ao humanismo, aos factos, à ciência, rejeição impossível da realidade, sadomasoquista nalguns. Sofrimento instrumentalizado por seitas de políticas ressentidas e frustradas por sucessivas profecias falhadas e recorrentes vitórias da liberdade. Leiam-se os textos obscurantistas em que se inspiram e atente-se no currículo dos autores convocados.

4. Desprezo também a cobardia do secretário de Estado ao não assumir a responsabilidade da retenção dos dois alunos, depois de a escola ter homologado a sua transição. “Apenas se chamou a atenção da escola para a lei”, disse, na AR, o salazarento.

E têm o despudor de evocar como referência os direitos humanos, o humanismo, o universalismo… “Educação para a Ideologia”, a mais aberrante, é o seu nome verdadeiro, e é crime pois é imposta desde logo a crianças do pré-primário, construções sociais antinaturais, lesa-humanidade, que no futuro lhes poderão causar traumas terríveis. Evidência que torna imperativo para os homens de bem, de todos os partidos ou de partido nenhum, enfrentarem-na.

5. Resta insistir no que é o seu verdadeiro objetivo, logo revelado pelos documentos-guia elaborados pela Secretaria de Estado, pelas perguntas nauseabundas impostas a crianças: a inculcação tarada de uma igualdade de género… que não há. Tara que todas as evidências contrariam, que o conhecimento científico nega, com provas sempre crescentes.
Um grande problema para quem quer impor essa mentira é verificar-se nas sociedades mais prósperas, mais iguais e mais livres, que permitem às mulheres todas as escolhas profissionais e pessoais – mulheres que são, aliás, excelentes e mesmo melhores alunas em todas as matérias, capazes de exercer qualquer profissão como estão a provar –, a sua opção predominante pelas profissões que os mais avançados estudos cognitivos identificam como correspondendo a especificidades femininas ou masculinas, desde o nascimento logo observadas… antes de qualquer socialização. Facto que remete para o biológico, cujo mecanismo vem sendo cada vez mais bem compreendido.

Sempre que os cientistas criaram um contexto absolutamente igualitário, as diferenças de género não só não se dissiparam como, pelo contrário, se manifestaram mais vincadas em cada um deles. É a evidência da predominância da biologia em desfavor da socialização, que pode alguma coisa, mas não determina nada.

Especificidades e performances femininas que a ciência – a verdadeira, não a da sociologia, que o não é, mas é ideologia – verifica estarem ligadas à abençoada natureza de mulher.

Mulheres que podem fazer tudo ou quase tudo tão bem ou mesmo melhor do que qualquer homem. (Sei do que falo, tenho provas disso em casa.) Mas não querem. A cultura pode acentuar tudo nalguns casos, o bem ou o mal, mas nunca o anula, repito. E tentar fazê-lo neste registo é infligir ou acentuar cruelmente sofrimento, inconfessado ou manifesto de um modo ou de outro.

Note-se que os cientistas que vão descobrindo cada vez mais evidências da diferença de género (ler Steven Pinker, por exemplo) não dizem que a cultura não acentue ou não possa contrariá-la, forçá-la, mas para quê? Para satisfazer anormalidades em si respeitáveis, mas nestas manifestações reveladas como afeções da mente? Para empobrecer e mesmo matar suicidariamente a humanidade?

E daí que esta mentira da “educação para a cidadania” revele o mais denso e preocupante obscurantismo.

 

Ensaísta e editor; escreve semanalmente no SOL