Gosto de ler

Gosto de ler


Depois de uma feira do livro, a cultura deveria sair reforçada e a humanidade deveria sair a ganhar.


Não se deve julgar o livro pela capa.

Por vezes dou por mim a perguntar se um livro é uma espécie de baú do tesouro ou se, em vez disso, é a chave que abre o dito baú. Porque estamos rodeados de publicações, pergunto: haverá quem nunca tenha lido um livro? Infelizmente, sim, ainda existe quem nunca tenha pegado sequer num livro. Mas não chegará o fim do mundo antes que a Palavra chegue a todos os povos da terra.

A impressão do livro tem sofrido muito poucas alterações ao longo dos tempos. Apesar de todo o avanço tecnológico, continua a seguir os mesmos padrões inventados pelo famoso Johannes Gutenberg, que concebeu a primeira oficina de impressão conhecida e documentada, sendo a Bíblia a impressão mais famosa desta primeira fase. Estávamos em meados do séc. xv.

Havendo a possibilidade de produzir livros em série de forma mais célere, ao contrário do que acontecia anteriormente com a cópia manual de cada exemplar, a difusão de livros e dos seus conteúdos ganhou uma dinâmica própria e passou a fazer parte do quotidiano, integrando, enriquecendo, expandindo a própria cultura.

Escrever livros é uma arte. Editar livros é uma arte e comercializá-los também – arte que esteve durante muito tempo circunscrita a um grupo restrito de pessoas, normalmente cultas e a par de novas ideias. Não era ofício para qualquer um, já que se exigia um alto nível de rigor, conhecimento, destreza e confiança. Atentar na história do livro é mergulhar num mundo sem igual cuja imaginação, sentidos e sentimentos viajam num turbilhão de emoções em que o tempo se perde. Deste modo, tomamos consciência de que não podemos julgar um livro pela capa. Aliás, a propósito de capa, recorde-se que, até ao séc. xix, os livros eram vendidos sob a forma de cadernos soltos, sem aquilo a que se chama hoje encadernação ou capa, e o acabamento dependia do gosto do comprador, que recorria posteriormente a um encadernador.

Em livro se guardam conteúdos sagrados e profanos, em livros nos imortalizamos. Por isso, importa olhar para cada um deles com respeito e dignidade.

Por tudo o que acabo de escrever, ocorre-me pedir que uma feira do livro seja – no mínimo – um lugar que privilegie a cultura e a arte da escrita, que de modo algum deve ser comparada a uma venda de enchidos, pechisbeque, quinquilharias, pipocas ou farturas. Os livros são para ser devorados… intelectualmente devorados. Não sujam a boca de açúcar nem deixam os dedos gordurosos. Saciam o espírito da sede maior sem deixar um travo amargo na boca.

Depois de uma feira do livro, a cultura deveria sair reforçada e a humanidade deveria sair a ganhar. Se, pelo contrário, continuarmos a permitir que se prostitua a escrita e se perpetue o culto conveniente da forma, alguém continuará a ganhar e todos sairemos a perder. Afinal, pela capa se continua a julgar o livro. Que pena!…

 

Professor e investigador