Esta confirmação veio após a Direção-Geral da Saúde (DGS) anunciar a existência de um total de 1.849 mortes e 61.541 casos de infeção pelo vírus SARS-CoV-2, em Portugal, desde o início da pandemia. Fazendo a diferença com o dia de véspera, eram mais 3 mortes confirmadas e mais 646 casos novos.
Não é positivo, de todo, registarmos este aumento. Aliás, há que pensar que este mês de setembro incorre em vários riscos. Primeiro, e desde logo, pela grande incerteza nas previsões que são feitas embora a humanidade e a ciência estudem epidemias há décadas, para não dizer séculos. Segundo, o regresso das aulas presenciais que levarão a uma dinâmica desconhecida neste registo. Porém, há algo que é pouco para o muito que vivemos: Este aumento de casos não é, como da DGS se ouviu, “culpa das férias”. É causado por múltiplas e distintas análises. Pelo “nacional porreirismo” de se pensar que “só acontece aos outros”, pelo desrespeito pontual de ajuntamentos de norte a sul, pela saturação mental associada a esta “nova-normalidade” e, claro, por desconhecimento de muitas cadeias de transmissão.
Mesmo com quase um 2020 inteiro de análise e infeliz convívio com este vírus, e consequentemente com a doença COVID-19, ainda há muito a palmilhar na correta caracterização da situação epidemiológica do país. Hoje podemos dizer que também aprendemos bastante, nestes meses. Vivenciámos a transmissibilidade do vírus SARS-CoV-2, constatámos que não é de todo controlável pelas medidas que adotámos, desde logo, o distanciamento social, a higiene respiratória, a lavagem das mãos e o uso de máscaras que se mantêm fundamentais e não meramente acessórios. Mas, sendo mecanismos fundamentais, não excluem o risco de infeção. Para além disto, o mundo aprendeu ainda que a capacidade de propagação do vírus é rapidíssima e violenta.
Na Gronelândia há um provérbio que, traduzindo à letra, diz qualquer coisa como “Mandar calar um fantasma só o faz crescer”. Em relação à pandemia não devemos mandar calar os números e muito menos mandar calar incoerências onde a ciência nunca nos falhou.
Em Portugal, e também em vários países da Europa, começamos a atingir números muito próximos dos alcançados na primeira fase. Em setembro não devemos ignorar estes números, não devemos mandar calar o fantasma que paira em cada rua da nossa terra e em todos os países do mundo. Devemos aceitar as tendências numa altura em que a vulnerabilidade é maior que nos últimos meses.
Sabemos que os casos positivos vão aumentar. Temos de acautelar as cadeias de transmissão a nível local com eficácia, precisamos de olhar para os assintomáticos de forma séria e, claro está, a “verdade das verdades”, temos de reforçar o sistema de saúde.
Mas, para além disso, o que devemos fazer que ainda não foi feito? Primeiro e óbvio para a comunidade científica (continua a não ser óbvio para a classe política), todos os contactos têm de ser testados. Tem de existir uma testagem massiva à população portuguesa. Só assim conseguiremos identificar as pessoas e identificar todos os contactos secundários. Temos de identificar as pessoas com quem os positivos tiveram contactos nas duas semanas antes para conseguirmos quebrar as cadeias de transmissão. Tão simples!
Outro pensamento “simples”: Aproximamo-nos do inverno e temos de minimizar uma possível e espectável segunda vaga do vírus ao máximo. E com que impactos diretos? Por exemplo, nos lares. Existe muito trabalho ainda a ser feito, mas, por exemplo, anteriormente os trabalhadores dos lares não estavam abrangidos pelo programa nacional de vacinação e vão passar a estar. Mas falta tanta coisa, falta tanto. E os lares que não cumprem as normas? Têm, ou deviam, de ser analisados e inspecionados para, se preciso, ter-se a coragem política de – falhando essa avaliação – transferir as pessoas para outros lares. É tudo uma questão de coragem.
E quando muda isto de forma estrutural na sociedade? Quando houver vacina. Quando o vírus perder o espaço que tem vindo a ganhar em já quase 28 milhões de casos confirmados e mais de 900 mil mortos.
Até lá? Gerir expectativas, com rigor e evitando os erros mal preparados e desnecessários que só servem de alarmismo. Erros que se ouve e lê, infelizmente, até de quem tem responsabilidade de passar correta mensagem como vários órgãos de comunicação social e membros de Governo. Tantos disparates. Como ontem, em horário nobre, ouvir-se a ignorância de se associar chavões à saúde e, sobre o caso da vacina AstraZeneca/Oxford dizer-se que “a pressa é inimiga da perfeição”. Calada, a senhora jornalista em questão, teria sido poeta.
Especificamente no caso do evento adverso num dos voluntários, no Reino Unido, durante o estudo de fase III para uma nova Vacina da indústria farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca, é preciso desde logo entender-se todas as fases e a dimensão de segurança que existe. É dos sistemas mais seguros e confiáveis que o mundo já presenciou. Alguém tem dúvidas dos avanços da medicina associada a estes estudos? Não.
Ontem, por cá, não esquecendo que falamos de um dos bons centros de investigação e desenvolvimento de fármacos do mundo, veicularam-se notícias quase catastróficas sobre o que é uma “normalidade” em fase de estudos e ensaios clínicos. Em caso de evento adverso, é normal suspender-se o estudo. É sempre assim. É para isso que se estuda, testa e há tantas fases com voluntários. É por isso que em milhões de utilizações há poucos eventos (é diferente de reações, basta estar-se informado) adversos. É por isso que a medicina evoluiu tanto. É por isso que devemos ter total confiança na comunidade científica.
Naturalmente que a vacina a ser trabalhada pela AstraZeneca e a Oxford tem estatuto de “mais promissora”, mas uma interrupção nos ensaios clínicos não é assunto para desalento político. Não é nem deve ser bandeira partidária. Já basta os muitos políticos que tentam falar sobre Saúde, e uns falam mesmo, sem nada perceber ou acrescentar. O setor da Saúde, o SNS e estas questões de saúde pública não são para conversa de qualquer um. Deviam ser só para quem sabe, e neste país não é o que acontece.
É momento de sermos pedagógicos, assertivos, mas sobretudo pragmáticos porque não há tempo a perder. Os casos vão aumentar, vem aí o inverno e à data ainda não há forma de parar o vírus SARS-CoV-2.
Mas, à data, estamos mais perto de ter uma vacina. À data de hoje temos a sociedade mais consciencializada. À data de hoje temos um planeta a rumar no mesmo sentido. À data de hoje, estamos melhor que há uns meses e, seguramente, mesmo com o aumento de casos, estamos mais e melhor preparados para vir a arrumar com a COVID-19.