Começa amanhã a edição da Festa do Avante mais comentada e mediática da história do PCP. Não por mérito ou crescimento do partido político, mas, em sentido inverso, por confrontação social face à realidade pandémica que vivemos e por compadrio ideológico de esquerda de aceitação política desta má exceção que temos em 2020.
A Festa não irá acabar, como é tradição, com a célebre música “A carvalhesa” para, dizem os organizadores, “respeitar a situação de Pandemia que o país vive e o distanciamento social que se exige nas orientações e medidas de prevenção que a Direção-Geral de Saúde (DGS) enumera” há muitos meses. Curioso ou irónico, mas não se esperava coerência de uma ação que vai contra o que o país, a Europa e o Mundo fizeram nestes meses todos de 2020.
O PCP decidiu manter um evento partidário, festivo, com milhares de pessoas mascarando-o de algo que nunca foi e nunca será. Concedeu-lhe uma relevância social que desrespeita todos os que deram a cara em convulsão médica contra o SARS-CoV-2, todos os que não se despediram dos seus entes queridos em cerimónias fúnebres, todos os que não puderam casar e todos os portugueses que mantiveram as suas vidas sociais “em suspenso” por razão, seriedade e respeito pela doença COVID-19.
Serão 16 mil pessoas, 2.000 lugares sentados com espaçamento de 2 metros entre cada cadeira. Serão 77 espaços de venda alimentar com venda de bebidas alcoólicas. A DGS limitou a lotação da Festa do Avante a cerca de 16 mil pessoas, porque o PCP queria mais (claro, só podia), apelando ao coercivo uso de máscara para todas as pessoas a partir dos 10 anos. Concertos e iniciativas dentro do recinto terão de ser em lugares sentados. Engraçado, ainda ontem, ver-se um Estádio da Luz de 65.000 lugares sentados sem público ou sabermos que está instituída a proibição até 30 de setembro da realização de festivais que, segundo estudo económico, o seu cancelamento neste verão traz um prejuízo de 1.6 mil milhões de euros. E o PCP? Nada. É a exceção mais triste que o mundo viu e onde até o The New York Times partilhou a sua pena numa peça jornalística fulminante para o mau exemplo português. Incoerências.
Perante um mau exemplo não devemos ser compadres do silêncio, devemos namorar a coragem de dizer e apontar o dedo. Podemos e temos esse direito.
Podemos ajuizar politicamente a permissividade que o Governo PS e a DGS estão a demonstrar para com o PCP.
Deve haver esta exceção, sabendo o que se proibiu e limitou tudo e todos (bem!), e permitir a irresponsabilidade de organizar-se um evento com milhares de pessoas que pode sempre potenciar o contágio viral?
O vírus SARS-CoV-2 não é comunista e não irá à Festa do Avante? O vírus não tem ideologia, credo, nacionalidade ou extrato social. Toca e infelizmente ataca todos, dos mais novos aos jovens há mais tempo.
Será que o PCP, de forma cega, não deveria ser como, por exemplo, o PSD que abdicou da Festa do Pontal no Algarve ou da Festa do Chão da Lagoa na Madeira? Será que, igualmente ao PSD, o PCP não podia abdicar da receita que esta festa partidária lhe dá? Devia. Não fez e não quis fazer.
A história não será reescrita, o PCP virou as costas ao respeito, ao bom senso e aos portugueses. Preferiu a sua tradição partidária à sociedade portuguesa.
O PCP assume que a intervenção política não deve parar e que esta Festa serve para mostrar que se pode agir e estar ativo em época de Pandemia. Concordo que o mundo não acabou, defendo que a atividade política não deve perder os direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa – que são intocáveis – mas a verdade é que todos os partidos políticos mantiveram a sua atividade partidária nos moldes que seguiram as orientações da DGS. Porque o PCP se julga acima de tudo? Porque quis errar e sabe que errou. Jerónimo de Sousa liderou mal um processo de desrespeito e o PCP liderou pelo mau exemplo.
Mais, pensemos com justiça porque falamos de um “Festival” quase, e o setor cultural? A Cultura atravessa uma crise sem precedentes na história. Precisam os artistas e as equipas técnicas de quem mantenha a esperança nas suas vidas, dependentes de eventos como o que amanhã se inicia, e deles ninguém falou? É justo, PCP? Onde está a guerra ideológica que vos orienta, a missão de serem “os porta-vozes dos descontentes”? É assim que tratam os artistas e o setor cultural? Que se registe.
Em suma, porque é das matérias mais unânimes na negação da sociedade portuguesa (no sentido oposto, da aprovação, nem Mário Soares foi nem Marcelo Rebelo de Sousa será tão consensual como esta “votação” de amostra de toda a população portuguesa), havia claramente espaço para também este partido político manter comícios com um número limitado de presentes, suspender as festas maiores durante este período de exceção e respeito à saúde pública e, até, podia inovar com sessões online até a serem gravadas da mítica praça 25 de Abril que centraliza a Festa do Avante ano após ano. Não quiseram.
Ninguém impede de se ter iniciativa partidária e política. Mas o PCP impediu a DGS e o país de concordarem que, durante todo este período de pandemia, respeitámos normas, abdicámos de vontades pessoais e de grupo, limitámos eventos e cumprimos no desígnio de respeitar o vírus e defender Portugal. O PCP não cumpriu.
Carlos Gouveia Martins