Os farsantes do Orçamento


Obviamente, será aprovado um Orçamento, apesar da palhaçada mediática. Marcelo não alinha nela. Deveria até convocar o Conselho de Estado para analisar os tempos dificílimos que vivemos e confrontar os políticos com as suas responsabilidades.


1. A evolução da pandemia na rentrée e o Orçamento do Estado são os dois desafios que o país deve enfrentar e resolver nos próximos tempos, através do Governo, do Parlamento e do Presidente da República.

A pandemia de covid-19 pode ser mais ou menos perigosa consoante as opções que competem ao Governo em nome da coletividade, ao Estado no sentido lato e a cada um de nós, através do dever cívico de se resguardar e proteger os outros. Desde logo, porque já não é repetível um confinamento geral, por razões económicas.

A responsabilidade em termos de saúde pública deveria ter levado à proibição da Festa do Avante! pela Direção-Geral da Saúde, pelo Governo ou por um tribunal digno desse nome. E também deveria ter imposto aos verdadeiros comunistas, habituados ao sacrifício e à luta, a suprema coragem de lá não porem os pés, em defesa de um bem comum de interesse superior. Não ir à festa é verdadeiramente um dever cívico e de fraternidade. As limitações impostas por Graça Freitas e pelo Governo que ela serve são pífias e representam metade de uma lotação que nunca se concretizaria. É atirar areia para os olhos dos incautos. O PCP conseguiu o que queria, como queria e com a lotação que queria. Tudo dentro das regras que ele próprio tinha estabelecido de antemão, como neste espaço se referiu há várias semanas.

2. Como é evidente, a pandemia condiciona tudo e, portanto, o Orçamento do Estado (OE). Sobre esse documento fundamental, há que ser claro: todos os partidos têm a estrita obrigação de contribuir para viabilizar uma solução que seja equilibrada dentro das circunstâncias. Estar contra à partida é, para além de uma imbecilidade, uma manifesta falta de patriotismo. Por isso, o jogo a que começámos agora a assistir é uma lamentável estratégia de empurra para o lado e de chantagem que António Costa iniciou no Expresso, ao pressionar sem maneiras os membros da defunta geringonça. Costa entrou a matar, o que é um sinal de fraqueza, e não de força tranquila. Mas seja por via da esquerda bloquista ou até comunista, seja através do PSD de Rui Rio e do famélico CDS, que se arrasta em São Bento, é óbvio que vai haver um Orçamento aprovado, mesmo que seja muito mau e represente apenas um mínimo denominador comum. O que tem de ser tem muita força.

3. O lógico seria produzir-se um OE que passasse na Assembleia apenas com os votos do PS e a abstenção na generalidade e final global de todos os outros partidos. Seria justo que assim fosse, uma vez que os socialistas governam sozinhos. Ficavam plenamente responsabilizados pelo mal e pelo bem que daí viesse. É, porém, pouco provável que haja essa concordância a priori. Os partidos entraram no modo de leilão, na representação e na farsa mediática, mesmo sabendo que estão condenados a encontrar uma solução para que não seja o próprio regime a ficar em causa. Para já, andam a dançar folclore para português enganarem.

4. A rejeição do OE implicaria automaticamente a queda do Governo, em vésperas de eleições presidenciais e com um chefe do Estado indisponível para aceitar uma crise política. O mais certo se o Orçamento não passasse seria o Presidente, já na fase de ter poderes limitados, manter o Governo de Costa em gestão durante largos meses. Só em maio Marcelo volta a ter a plena capacidade de dissolução da Assembleia e o prazo subsequente para convocar eleições ronda sempre três meses. Teríamos, na melhor das hipóteses, um novo Executivo em junho e, portanto, um ano perdido, num país já atualmente à deriva e a viver a maior crise económica e de saúde pública simultâneas de sempre. O efeito conjugado seria mais devastador do que uma guerra civil. Junte-se a isso a visão externa dada por Portugal, que passa a assegurar a presidência da União Europeia a partir de janeiro, com dossiês dramáticos em cima da mesa. Está bom de ver que tem mesmo de haver um acordo que nos evite dar um espetáculo mundial de república das bananas.

Lamentavelmente, os portugueses, no meio de receios de perda de emprego e de uma pandemia mortal associada ao colapso de grande parte da sociedade, estão, para já, sujeitos aos jogos verbais, às manobras táticas, às propostas demagógicas, às jogadas mediáticas de uma classe política habituada às sombras e aos arranjos de bastidores e de lóbis que defendem os interesses dos seus apaniguados (sejam empregados ou patrões). Verdadeiramente patriótico seria pouparem-nos a esta farsa coletiva. Como se viu, o Presidente da República não quer entrar na palhaçada. Exatamente por isso e para reafirmar o momento de gravidade que vivemos, seria bom que Marcelo convocasse um Conselho de Estado para examinar o delicado momento político. Talvez até trazendo um convidado estrangeiro, como já tem acontecido. Ursula von der Leyen seria a pessoa indicada para nos explicar como a União Europeia olharia de esguelha para nós sem um Orçamento do Estado e um Governo em plenitude de funções.

5. Sabe-se que mais por mais dá mais. E não é só na matemática. É também na incompetência. A incapacidade da direção do SEF e a incompetência da administração da ANA somadas deram uma confusão danada, com centenas de turistas em longas filas e amontoados no aeroporto de Faro. Valeu a competência do deputado algarvio Cristóvão Norte, que denunciou a situação. Andámos semanas a chorar pela vinda dos turistas ingleses e depois foi o que se viu. SEF e ANA parecem ser a aplicação prática do princípio de Peter.

 

Escreve à quarta-feira