Limpeza silenciosa

Limpeza silenciosa


A primeira e mais importante linha de defesa contra desastres ambientais somos nós e só com uma abordagem integrada será possível à civilização conseguir inverter o grave problema ambiental que temos atualmente.


Mais uma vez o mundo vê-se confrontado com um derrame petrolífero, desta vez nas magníficas Ilhas Maurícias com toda a sua biodiversidade única em vias de extinção. Estas tragédias são recorrentes no mundo atual. Todos recordamos o tristemente célebre incidente na plataforma petrolífera da BP, Deepwater Horizon no golfo do México em 2010, e alguns de nós ainda recordam seguramente o derrame de 1989 no Alasca, causado pelo petroleiro Exxon Valdez, só para recordar alguns dos inúmeros exemplos que se poderiam dar.

As diversas tecnologias utilizadas de forma regular no controlo de derrames petrolíferos, como é o caso da utilização de barreiras de contenção para impedir que o derrame alastre ou a utilização de dispersantes funcionam e conseguem remover e minimizar os derrames petrolíferos. No entanto, estes compostos falham na completa remoção e/ou degradação do derrame. Adicionalmente, estes produtos utilizados para debelar derrames petrolíferos podem causar outros problemas ambientais devido à introdução de novos compostos químicos no meio ambiente com potencial impacto toxicológico para o meio ambiente e para a saúde humana.

Existem também outras soluções aplicadas anteriormente no derrame no Golfo do México em 2010, com resultados prometedores. Essas soluções passam pela utilização de bactérias que degradam compostos chamados hidrocarbonetos (constituintes principais do petróleo) para ajudar na eliminação do derrame petrolífero. Desde os anos 80 que bactérias com capacidade para degradar hidrocarbonetos têm sido isoladas e identificadas. Estas bactérias, com nomes incomuns como Alcanivorax ou Marinobacter são das mais utilizadas até ao momento neste combate desigual. Podíamos ser levados a pensar que estes microrganismos são novos, produtos de engenharia genética para salvar os ecossistemas ameaçados, mas não são. Estes microrganismos têm milhões de anos. São encontrados em diversos ecossistemas, nomeadamente no fundo dos oceanos, onde se alimentam precisamente de pequenas quantidades de petróleo libertado por fissuras naturais nas rochas, degradando as diferentes moléculas de hidrocarbonetos para obterem energia, primordial à sua existência. Outros nichos ambientais, não pristinos, são capazes de albergar uma grande diversidade de bactérias com resistência e capacidade de degradar hidrocarbonetos: estamos a falar de locais contaminados por compostos tóxicos, nomeadamente hidrocarbonetos, em que a biodiversidade microbiana evoluiu no sentido de se adaptar a este tipo de agressões e muito deles a degradarem estas moléculas complexas.

É sabido, por exemplo, que no derrame do golfo do México, muito do petróleo derramado foi consumido por um imenso número de bactérias e que sem essa preciosa ajuda os estragos provocados no meio ambiente teriam sido muito superiores.

Inúmeros esforços estão a ser conduzidos a nível mundial para encontrar estes “comedores de hidrocarbonetos”, por exploradores da era moderna, que percorrem caminhos nunca antes percorridos ao isolar bactérias nunca antes isoladas. Estas bactérias não são, no entanto, suficientemente rápidas na degradação de hidrocarbonetos, só o conseguindo fazer de forma eficiente devido à sua presença em elevados números. É aí que entra um outro campo da ciência, a genética, que permite a modificação inócua de alguns genes destes microrganismos para os tornar mais eficientes e rápidos na degradação de compostos tóxicos.

Esta estratégia pode e está a ser aplicada a outros problemas ambientais, como é o caso dos plásticos, em que já foram identificados micro-organismos capazes da sua degradação. Esses antigos micro-organismos transformados em novas soluções, fazem uma limpeza silenciosa, mas eficaz de zonas de desastre ambiental onde muitas vezes outras soluções mais tecnológicas falham.

Claro que não é possível deixar todo o problema ambiental “nas mãos” dos nossos companheiros mais pequenos. A primeira e mais importante linha de defesa contra desastres ambientais somos nós e só com uma abordagem integrada será possível à civilização conseguir inverter o grave problema ambiental que temos atualmente.

 

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