1 contra 195 e no fimos Estados Unidos perdem


Em matéria de política externa, Trump garantiu aos EUA um estatuto de semi-pária. Conformado, o mundo tenta adiar para depois de 3 Novembro toda e qualquer decisão.


O isolacionismo tradicional dos EUA (e dominante ao longo da sua relativamente curta história) justifica em grande medida a opção por alianças, formais ou substantivas, para concretizar (e justificar) intervenções fora de portas. Mesmo as alianças formais têm a virtude, nem que seja pelo procedimento de consulta entre aliados, de reforçar a legitimidade das intervenções. Até nos piores momentos de Bush júnior, com as chaves da casa Branca entregues a Cheney e Rumsfeld, as pseudo-coligações foram encenadas, com o lançamento do slogan coalition of the willing.

Trump trouxe à política externa dos EUA a marreta que ninguém gosta de ver levantada na loja de porcelanas. Mesmo quando tinha razão (o longo free ride dos europeus) assinou a certidão de óbito da NATO ao declará-la “obsoleta”. Nas negociações comerciais com a União Europeia permitiu-se classificá-la como “inimiga”, classificação que não foi feita apenas para consumo pelos eleitores do rust belt. Nas relações com a vizinhança tratou de dar nome ao que sentia pelos do sul (México) e alienou definitivamente o vizinho a norte (um Canadá demasiadas vezes confundido com os EUA e que também por essa razão terá perdido, mais uma vez, a recente eleição para um lugar de membro não permanente no Conselho de Segurança).

A 14 de Agosto, na votação da proposta de prorrogação do embargo da venda de armas ao Irão, 11 Estados abstiveram-se, China e Rússia votaram contra, e os EUA, autores da proposta, tiveram o apoio da República Dominicana. Descontados os vetos em defesa de Israel, o resultado EUA+1 não consta dos padrões de voto do Conselho de Segurança. O resultado diz muito do que o resto do mundo pensa das opções de Trump em matéria de denúncia de acordos internacionais.

O próximo ajuste de contas entre Trump e o mundo para lá de Mar-a-Lago decorrerá em torno da eleição do presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), uma instituição particularmente importante no contexto da crise económica induzida pela pandemia e que afectou sobremaneira a América latina. O BID junta Estados financiadores (EUA, Canadá, Japão, União Europeia) e Estados beneficiários dos empréstimos (todo o continente americano a sul do rio Grande).

Várias instituições financeiras internacionais funcionam com base numa regra não escrita: um cidadão dos EUA à frente do Banco Mundial, um europeu a dirigir o FMI e um latino-americano à frente do BID, indicando os EUA o vice-presidente. Trump, pela reiterada aposta numa política externa assente na lógica “no rules”, apresentou pela primeira vez na história do BID uma candidatura dos EUA (Mauricio Claver-Carone) às eleições agendadas para 12 de Setembro. Argentina (com 11,3% dos votos e um nacional candidato à presidência do BID), México (7,2%), Chile (3,15%) e Costa Rica (0,45%) apostam na política da chaise vide para impedir o quórum mínimo de 75% dos votos e adiar a decisão para Março de 2021, na esperança de que então Trump já não habitará a Casa Branca. O Canadá (4%) deve juntar-se ao grupo para evitar que a coligação EUA, Brasil, Colômbia (30%, 11,3% e 3,1%) e mais alguns eleja Claver-Carone. O cisma também atinge a União Europeia (cujos Estados-membros somam 9,3% dos votos, dos quais 0,05% correspondem a Portugal). Espanha (1,96%) apoia a proposta de adiamento da votação e o mesmo deverá acontecer com a Alemanha (1,89%) e a França (1,89%).

Mesmo ganhando, Claver-Carone fará perder os EUA.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990