António Costa. O Primeiro-ministro pode ser hoje apenas o cidadão a quem os pais decidiram chamar de António Luís, em 1961, quando nasceu em na freguesia de São Sebastião da Pedreira? Não. A figura institucional de quem lidera o Governo do nosso país não é dissociável do cidadão. Hoje, António Costa é a tempo inteiro o chefe do Governo da República Portuguesa.
É um pouco incoerente citar o próprio António Costa para demonstrar como as declarações do Primeiro-ministro português (António Costa, sim, a mesma pessoa), em off, após entrevista a um semanário nacional, são de uma profunda falta de sentido de Estado.
Ora vejamos, então. Em abril de 2016, António Costa fazia uma declaração pública em que (bem, muito bem!) dizia que “Nem à mesa do café se podem esquecer que são membros do Governo!”. Na altura, era a forma do chefe de Governo forçar o então governante João Soares a se retratar publicamente quando, o então seu Ministro da Cultura, prometeu "salutares bofetadas" a dois colunistas.
Na altura, António Costa foi feliz na declaração forte que proferiu, em que demonstrou perceber qual a força da expressão “Sentido de Estado”. É diária, constante e não tem pausas.
A força da imagem de um chefe de Governo deve ser impenetrável. Não há espaços a mesas de café, a off’s infelizes ou a intervalos de seriedade.
Se António Costa esteve muito bem no que defendeu em 2016, borrou a pintura toda agora em 2020…
Cá fica o registo: “O Presidente da ARS mandou para lá os médicos fazerem o que lhes competia, e os gajos, cobardes, não fizeram.” São estas as palavras, de agora em diante célebres, que o Primeiro-ministro António Costa pronunciou «off the record», após uma entrevista ao semanário Expresso, tal e qual como se estivesse numa “mesa de café” que tanto criticou em 2016 no caso do seu camarada João Soares.
Seja em off, em on, ou no registo que António Costa queira, possa e mande dizer, são declarações profundamente infelizes de quem deve dar o exemplo e servir de bastião de correção e estabilidade social.
Prontamente o país parou. O jornal que partilhou o vídeo, salientando que estes momentos eram para edição de corte apenas, veio já informar que denunciou junto do Facebook, Twitter e Youtube o vídeo de uma conversa reservada entre os seus jornalistas e o primeiro-ministro, António Costa, por violar os direitos de propriedade que lhe pertencem. Esclareceu ainda o referido jornal que “os microfones usados na entrevista foram desligados, mas por lapso o microfone interno da câmara não – pelo que ficou em fundo o som da conversa «off the record», reservada, que o primeiro-ministro teve com os jornalistas presentes na entrevista”, ou seja, a veracidade das declarações sobre os “cobardes médicos”, aconteceu. O facto é este mesmo, não há mentiras sobre o que taberneiramente António Costa disse sobre Médicos.
Apagará, essa dita “violação de direitos de propriedade”, as verdades ditas ou o falso sentido de Estado que o Primeiro-ministro manifestou? Não. Não apaga nada. Podem apagar o vídeo à vontadinha, o mau exemplo ficará.
Há uns meses, em situação diferente, afeta ao desporto rei deste país, víamos e liamos tantos dizerem sobre publicações «off the record» de um mediático whistleblower português que “Eu quero lá saber quem o pôs cá fora, quero saber é o que diz”. Ironicamente, hoje essa ala – naturalmente afeta a António Costa e sem capacidade de tirar as “palas” partidárias – diz que “esta conversa particular entre o primeiro-ministro e jornalistas ser tornada pública é contra todas as regras de qualquer Estado de Direito”. Desonestidade intelectual pura e dura.
O estilo “Dois pesos, duas medidas” será sempre errático. Prefiro a mesma visão: Um Chefe de Governo deve “saber estar” mesmo que à mesa de um café, numa conversa particular ou até em casa se for preciso. Isso não se deve apagar.
O que se apaga, claramente, é o bom exemplo de quem hoje é Primeiro-ministro e bem analisou em 2016 um mau exemplo de como se ter sentido de Estado.
Um Primeiro-ministro, um ministro, um secretário de estado ou, noutra escala de poder local, um Presidente de Câmara ou um Presidente de Junta têm todo o direito à sua própria opinião e evidente liberdade de expressão. Aliás, a política carece que quem “diz o que pensa”, de quem enfrenta dogmas ou verdades cristalinas com pés de barro. Mas não é esse o caso quando há uma função que serve de eixo de equilíbrio entre o Estado e o País real. Há momentos para se demonstrar, em ação política, como contrariar as críticas. É com trabalho, não é com palavras e críticas fáceis.
“Cobarde” é não se assumir esta posição de respeito todos os dias. Não é António Costa que é cobarde, não o tenho como tal e o seu percurso de luta política são inegáveis, mas duvido daqueles que por cegueira ou clubite socialista não conseguem assumir que o que se passou foi um péssimo exemplo. É cobardia intelectual.
Esses, que vivem de palmadinhas nas costas, e que hoje não têm coragem de criticar o evidente, talvez sejam os verdadeiros “Cobardes” deste sentido de estado ao género “Costa, Posso e Mando”.
Carlos Gouveia Martins