De início era um clube de jazz, fundou-o o empresário Alan Sytner no ano de 1957, mas depressa seria tomado pelo rock. Por ali, passaram bandas como The Quarrymen, liderada por John Lennon, que viria a integrar os Beatles. A 9 de fevereiro de 1961 ninguém sonhava que esse dia ficaria para a história – a da música e a do Cavern Club, de Liverpool. Era a primeira vez que ali atuavam os Beatles, chegados de Hamburgo. Seria também ali que, numa noite em novembro desse mesmo ano, conheceriam Brian Epstein, proprietário de uma loja de discos e crítico de música que acabaria por se tornar seu agente. “Gostei imediatamente do que ouvi”, recorda sobre essa outra noite em The Complete Beatles Chronicle: The Definitive Day-By-Day Guide To the Beatles’ Entire Career (ed.Chicago Review Press, 2010). “Eram novos, honestos e tinham o que eu pensava ser uma espécie de presença… star quality”.
De forma tal que até hoje – até ao dia em que estabelecimentos como o Cavern foram forçados a encerrar pela pandemia – se continua a rumar ali só para se poder dizer que se respirou a energia daquele lugar onde se fez uma das bandas que mais marcaram a história da música do século XX. E assim volta a ser agora que o Cavern volta a reabrir portas, mas sem o futuro garantido: o lendário bar de Liverpool está, apesar disso e dos apoios anunciados por parte do Governo britânico, em risco de encerrar definitivamente. As perdas andaram até aqui, segundo noticiado pela imprensa britânica, na ordem das 30 mil libras (cerca de 33 mil euros) por semana. Ao jornal local The Liverpool Echo, Bill Heckle, que está à frente do espaço, adiantou que neste período em que o espaço esteve encerrado foram já despedidas perto de 20 pessoas. “E acreditamos que mais 20 serão dispensadas nas próximas semanas”.
Isto porque as regras segundo as quais estabelecimentos como o Cavern são obrigados a funcionar na reabertura determinam que a lotação esteja limitada a um terço da habitual.
Depois de em julho passado mais de 1.500 personalidades ligadas ao setor da música no Reino Unido se unirem num movimento sob a hashtag #LetTheMusicPlay, em que apelavam ao Executivo liderado por Boris Johnson que tomasse medidas para travar os “danos catastróficos” causados pela pandemia, o Governo anunciou um fundo de 1,5 mil milhões de libras (1,7 mil milhões de euros) para apoiar os setores cultural e artístico britânico. Mas nem a esperança de que possa valer-se desse fundo para ajudar à sua sobrevivência garante que, com as novas restrições, mesmo de portas abertas o Cavern sobrevive à covid-19. “O facto de a sala poder ter de fechar para sempre por causa da covid-19 deve mostrar ao governo o quanto a nossa indústria musical está em perigo”, alertou já o próprio mayor de Liverpool, Joe Anderson. “Este vírus causou dor e tristeza inimagináveis, mas está a provar ser uma ameaça existencial à nossa cena cultural”.
Em lisboa, velam-se os primeiros mortos. Em Portugal, a falta de respostas do Governo para a situação que enfrentam muitos bares e discotecas desde que em março foram forçados a interromper está a atingir o nível do desespero. Em finais de julho, o Governo determinou em Conselho de Ministros que permaneceriam “encerrados os bares, outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculos e os estabelecimentos de bebidas com espaço de dança”. A solução apresentada? Poderiam passar, a partir de 1 de agosto, a funcionar como “cafés ou pastelarias, sem necessidade de alteração da respetiva classificação de atividade económica”. O setor reagiu com indignação.
Em meados deste mês, uma resposta mais organizada surgiu na forma de uma nova associação, unindo representantes de vários espaços noturnos. A Associação Portuguesa de Salas de Programação de Música, que terá os seus estatutos oficializados em setembro, segundo noticiou então o Observador, surgiu da união dos responsáveis pelo Lux e o Musicbox, em Lisboa, e Maus Hábitos, do Porto, e entretanto juntaram-se-lhes outros, numa lista que reúne já 25 espaços.
O objetivo é pressionar o Governo à criação de apoios a fundo perdido para um setor que se encontra ou encerrado ou com enormes restrições ao funcionamento desde que em março a pandemia paralisou vários setores da economia e da vida nacional. O problema é que a espera por noites melhores começa a dar sinais de que se faz já demasiado longa. Na semana passada, do Cais do Sodré, em Lisboa, chegou mais uma notícia que só o confirma: ao fim de sete anos e de 2 mil concertos, o Sabotage Club, bar com espetáculos ao vivo dedicado ao rock, já não volta a abrir portas.
A notícia, avançada pelo Público, surge depois de no ano passado o bar ter visto a sua continuidade naquele espaço ameaçada devido à especulação imobiliária. Agora, ao fim de cinco meses de paragem, nem num espaço alternativo será possível, pelo menos para já, sonhar com um regresso do Sabotage. Ao mesmo jornal, Nuno Rabino, um dos responsáveis, explicou que não é de todo possível adaptar a sala, com capacidade para 168 pessoas, às diretrizes da Direção-Geral de Saúde para a reabertura de bares e discotecas. “Bares que são proprietários dos espaços conseguem aguentar-se mais um tempo. Mas muitos dos que estão a arrendar vão desaparecer”.
Com o fim de espaços como o Sabotage, que não será o único a seguir para esse desfecho, não perde apenas aquele que era o seu público: no futuro, serão com certeza menos os espaços ao dispor das bandas para atuações ao vivo. Entretanto, pelo país, já várias casas emblemáticas puseram um ponto final nas suas histórias devido à pandemia: o centenário Club de Vila Real encerrou definitivamente. Também em Lisboa, o RCA Club abriu uma linha para doações por forma a conseguir pagar a renda. Caso contrário, será também forçado a fechar portas.