Ao invés do que os poetas e sonhadores nos querem fazer crer, a realidade que observamos da nossa janela não é um mar de possibilidades e de sonhos por atingir e que se renovam todos os dias, como uma página em branco por escrever. Não. A paisagem que vemos da nossa janela e o país que daí observamos é e será sempre moldada pela localização da janela, mas também pelo tipo de lentes que usamos.
Vem isto a propósito das imagens de uma reportagem recente no jornal Público, que nos mostra a crua e áspera realidade de uma grande parte do país.
A reportagem centra-se nas dificuldades inerentes à atividade de exploração dos recursos florestais no país. No entanto, o que imediatamente me salta à vista é o contraste entre o país que se vê das janelas dos corredores do poder e da opinião publicada em Lisboa e a vida concreta e real do resto do país. Estas visões, ainda que não totalmente antagónicas ou excludentes uma da outra, são absolutamente determinantes nos momentos em que se gizam as políticas públicas, se definem incentivos e apoios e se implementam as medidas necessárias para o progresso do país.
A imagem que mais retive foi exatamente a de duas mulheres aparentando já idade para uma merecida reforma, mas quiçá a dureza da vida as envelheceu ou a necessidade as obriga a continuar a trabalhar. Elas empurram curvadas e com dificuldade uns ensebados, amolgados pelos anos e sujos bidões de latão cheios de resina num armazém também ele imundo e gordurento, munidas dos seguintes “equipamentos de proteção individual”: mãos desnudadas; rostos vincados pela vida sem qualquer máscara para eventuais gases tóxicos; lenço de pano na cabeça; batas daquelas que víamos nas nossas avós ou tias há umas décadas atrás; e o calçado que tanto serve para ir ao quintal como ir dar de comer à “criação”.
Por outro lado, para muitos dos que se sentam no poder em Lisboa a realidade das empresas portugueses é a realidade das “startup”, das “fintech”, dos “business angels” dos “unicórnios” do “cowork” do sistema empreendedor, do “software” e das “App” para onde quer que se olhe. Em Lisboa quando se pensa em atividade industrial do país, vê-se empresas de ponta tecnológica e robotizadas da TV e pensa-se que as oficinas são todas como as imaculadas “boxes” da Fórmula 1 do MotoGP, onde Miguel Oliveira já brilha. Estas duas imagens, como se disse, não são excludentes, nem necessariamente antagónicas. Mas o país que vemos determina o grau de transformação que queremos atingir.
Pessoalmente, acho que a realidade empresarial do país é muito mais perto da empresa das duas mulheres curvadas sobre os bidões de óleo que a dos unicórnios e em tempos de definição dos quadros de financiamento europeu isso deveria ser tido em conta.
O Portugal que se vê de Lisboa é o Portugal europeu cosmopolita e avançado, bem diferente do Portugal que se vê e se sente em muito do nosso território.