Um Lukashenko pode esconder outro


Olhando para o leste da Europa a partir de Lisboa, ficamos com a impressão de que a Guerra Fria ainda não acabou. 


A Rússia de Putin continua fiel à doutrina Brejnev e a exercer um direito de pernada em relação aos Estados limítrofes. Esta prática serve para defender um cordão territorial o mais vasto possível entre o território russo e o território dos países da NATO. Este objectivo acaba por limitar a soberania de vários Estados (Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Bielorrússia) com intervenções militares seja com tropas regulares seja com milícias russas. Desaparecido o Pacto de Varsóvia, Moscovo promoveu uma aliança militar com Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. A carta da CSTO inclui uma cláusula de legítima defesa colectiva, facto lembrado esta semana por Lukashenko. Vista de Lisboa, a buffer zone entre a Rússia e os aliados da NATO não é necessariamente má, ainda que não sejam boas as memórias de casos análogos (máxime, Polónia e Estados bálticos por via do pacto Ribbentrop-Molotov).
Dentro do quadro geral da capitis diminutio dos países limítrofes da Federação Russa, há margem para encontrar diferenças entre os Estados. A realidade política na Bielorrússia não é a mesma da Ucrânia. Os bielorrussos gostariam de se livrar de Lukashenko e poderão ter votado nesse sentido (ao contrário da versão oficial, que o dá como tendo obtido 80% dos votos), mas não se querem afastar da Rússia (ao contrário da metade ocidental da Ucrânia) nem aderir à União Europeia (em Minsk não há bandeiras da UE nas manifestações) e muito menos à NATO.
Sem se afastar ostensivamente de Moscovo, Lukashenko tinha ensaiado nos últimos anos uma suavíssima aproximação à UE e até à NATO. Recentemente, mandou deter 33 paramilitares russos, provavelmente do Wagner Group e em trânsito por Minsk em direcção à Síria, acusados de preparar um atentado antes das eleições presidenciais. Motivo de suspeita em relação aos supostos terroristas? Eram todos homens e não bebiam álcool…
Com as primeiras manifestações, Lukashenko tratou de reganhar as boas graças de Putin: libertou os 33 russos, solicitou a protecção de Moscovo e retomou a retórica contra a NATO, que estaria a acumular tropas na fronteira ocidental da Bielorrússia. As eleições do passado domingo voltaram a atirar Lukashenko para os braços de Putin.
Putin não se incomodaria de substituir Lukashenko por alguém mais dócil e com melhor imprensa. Lukashenko parece conhecer o que vai na alma do seu homólogo russo: Viktor Babariko, um bom candidato à sucessão aos olhos de Moscovo e que liderava as sondagens, foi preso em Junho, acusado de fuga ao fisco e de branqueamento de capitais, acusações que muitos consideram ter uma motivação política.
Putin tudo fará para que a Bielorrússia permaneça sob controlo de Moscovo. Tal poderá implicar manter Lukashenko no poder, apoiando-o política e financeiramente e dando-lhe informação sobre os movimentos da oposição. Se a oportunidade surgir, não será impossível que Moscovo force uma sucessão, seja através de um golpe palaciano à margem da Constituição, seja por via de um novo processo eleitoral “musculado”. Mas não haverá lugar a “invasão fraterna”, como nos tempos da URSS, ou ao congelamento de um conflito por via da multiplicação de milicianos pró-Rússia (little green men). Estas são medidas extremas, com um custo político e militar que não se justifica pagar numa situação em que a maioria dos bielorrussos se mantêm russófilos. E estas são as boas notícias – as únicas, infelizmente.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

Um Lukashenko pode esconder outro


Olhando para o leste da Europa a partir de Lisboa, ficamos com a impressão de que a Guerra Fria ainda não acabou. 


A Rússia de Putin continua fiel à doutrina Brejnev e a exercer um direito de pernada em relação aos Estados limítrofes. Esta prática serve para defender um cordão territorial o mais vasto possível entre o território russo e o território dos países da NATO. Este objectivo acaba por limitar a soberania de vários Estados (Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Bielorrússia) com intervenções militares seja com tropas regulares seja com milícias russas. Desaparecido o Pacto de Varsóvia, Moscovo promoveu uma aliança militar com Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. A carta da CSTO inclui uma cláusula de legítima defesa colectiva, facto lembrado esta semana por Lukashenko. Vista de Lisboa, a buffer zone entre a Rússia e os aliados da NATO não é necessariamente má, ainda que não sejam boas as memórias de casos análogos (máxime, Polónia e Estados bálticos por via do pacto Ribbentrop-Molotov).
Dentro do quadro geral da capitis diminutio dos países limítrofes da Federação Russa, há margem para encontrar diferenças entre os Estados. A realidade política na Bielorrússia não é a mesma da Ucrânia. Os bielorrussos gostariam de se livrar de Lukashenko e poderão ter votado nesse sentido (ao contrário da versão oficial, que o dá como tendo obtido 80% dos votos), mas não se querem afastar da Rússia (ao contrário da metade ocidental da Ucrânia) nem aderir à União Europeia (em Minsk não há bandeiras da UE nas manifestações) e muito menos à NATO.
Sem se afastar ostensivamente de Moscovo, Lukashenko tinha ensaiado nos últimos anos uma suavíssima aproximação à UE e até à NATO. Recentemente, mandou deter 33 paramilitares russos, provavelmente do Wagner Group e em trânsito por Minsk em direcção à Síria, acusados de preparar um atentado antes das eleições presidenciais. Motivo de suspeita em relação aos supostos terroristas? Eram todos homens e não bebiam álcool…
Com as primeiras manifestações, Lukashenko tratou de reganhar as boas graças de Putin: libertou os 33 russos, solicitou a protecção de Moscovo e retomou a retórica contra a NATO, que estaria a acumular tropas na fronteira ocidental da Bielorrússia. As eleições do passado domingo voltaram a atirar Lukashenko para os braços de Putin.
Putin não se incomodaria de substituir Lukashenko por alguém mais dócil e com melhor imprensa. Lukashenko parece conhecer o que vai na alma do seu homólogo russo: Viktor Babariko, um bom candidato à sucessão aos olhos de Moscovo e que liderava as sondagens, foi preso em Junho, acusado de fuga ao fisco e de branqueamento de capitais, acusações que muitos consideram ter uma motivação política.
Putin tudo fará para que a Bielorrússia permaneça sob controlo de Moscovo. Tal poderá implicar manter Lukashenko no poder, apoiando-o política e financeiramente e dando-lhe informação sobre os movimentos da oposição. Se a oportunidade surgir, não será impossível que Moscovo force uma sucessão, seja através de um golpe palaciano à margem da Constituição, seja por via de um novo processo eleitoral “musculado”. Mas não haverá lugar a “invasão fraterna”, como nos tempos da URSS, ou ao congelamento de um conflito por via da multiplicação de milicianos pró-Rússia (little green men). Estas são medidas extremas, com um custo político e militar que não se justifica pagar numa situação em que a maioria dos bielorrussos se mantêm russófilos. E estas são as boas notícias – as únicas, infelizmente.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990