Que Estado queremos?


Já tive a oportunidade de aqui escrever em março passado sobre alguns ensinamentos que a pandemia de COVID-19 nos trouxe. Um deles dizia respeito ao funcionamento dos serviços da administração pública, que se encontram já demasiado depauperados fruto do desinvestimento de décadas a reboque do discurso de Estado a mais e funcionários públicos a mais.…


Já tive a oportunidade de aqui escrever em março passado sobre alguns ensinamentos que a pandemia de COVID-19 nos trouxe. Um deles dizia respeito ao funcionamento dos serviços da administração pública, que se encontram já demasiado depauperados fruto do desinvestimento de décadas a reboque do discurso de Estado a mais e funcionários públicos a mais.

O resultado está hoje à vista. Temos, hoje, serviços públicos sem capital humano especializado e que consiga dar resposta cabal e célere às necessidades urgentes que se verificam, sejam elas no SNS ou na Segurança Social.

A apuradíssima intervenção da Provedora de Justiça, quando alerta para os atrasos do processamento das reformas ou da atribuição dos subsídios de desemprego, é reflexo disso mesmo.

Outro dos ensinamentos referia-se ao relacionamento do Estado com o setor da economia social. Também aqui, ao longo de décadas a política principal foi atirar dinheiro (arrisco a dizer milhares de milhões de euros) para instituições (IPSS), que apesar da boa vontade e esforço de muitos, não resultou numa política eficaz de apoio aos mais idosos.

Lares ilegais, como cogumelos e sem os mínimos exigíveis para funcionar, pulularam em todo o país. Instituições e lares sobrelotados, sem recursos humanos capacitados e especializados no cuidado de pessoas são hoje a regra num país cada vez mais envelhecido e com necessidades ainda maiores que há alguns anos.

Quem conhece, minimamente, bem o modo de funcionar destas instituições, verifica que elas não são mais que aquilo que somos enquanto sociedade e país. Os recursos humanos especializados e técnicos superiores são pagos a preços de salário mínimo (quando não é pior). Muitos deles são a extensão do cacique local que manda na junta de freguesia e na IPSS da freguesia e onde emprega os seus familiares, etc. O caldo perfeito onde dinheiro público é despejado e depois não existe qualquer fiscalização, quer do seu modo de funcionamento, quer da existência ou não de funcionários suficientes para o número de utentes ou se o espaço físico é o suficiente ou adequado.

Dito isto, importa realçar o esforço que tem sido realizado pelos serviços públicos nestes últimos meses, tentando agilizar e dar a resposta necessária aos milhares de solicitações urgentes em tempo útil e que durante décadas, por inércia ou incúria dos governantes, dirigentes e gestores públicos ou por simples opção política e consciente de desinvestimento, não foi feita.

Não querendo desculpar a falta de cuidado com as palavras ou forma de expressão da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, não posso deixar de referir que todos temos momentos menos bons ou cometemos erros na nossa ação. Também não posso deixar de referir que não é honesto responsabilizar uma Ministra (ainda que a responsável máxima sectorial) por décadas de inação, inércia ou incúria de todos os outros governantes que a precederam. Recordo que Ana Mendes Godinho é responsável pela área há menos de 1 ano e que tem sido confrontada com a excecionalidade do momento. Com isto quero dizer que esteve bem? Não, não quero. Esteve mal e tem a obrigação de, no tempo em que for Ministra, lançar pelo menos as bases que ajustarão a Segurança Social aos tempos presentes e a situações de emergência e excecionalidade que possam existir no futuro.

O que aconteceu no lar em Reguengos de Monsaraz e, felizmente, com menos gravidade noutros lares em todo o país, deve-nos refletir sobre o tipo de instituições de solidariedade social queremos. Manter as coisas como estão, sem fiscalização adequada, sem trabalhadores especializados, com vínculos precários e mal pagos, com abusos (lembremo-nos do caso “Raríssimas”)? Ou se queremos um Estado mais atuante criando uma espécie de Serviço Nacional de Apoio Social e que assuma os cuidados com os que mais precisam, substituindo instituições particulares que em muitos casos já se demonstraram incapazes (por falta de conhecimento ou capacidade financeira) para o fazer?

Não sendo opções exclusivas o certo é que uma sociedade que não consegue cuidar dos seus mais desprotegidos e frágeis, não é uma sociedade decente e nestes tempos de tanta incerteza resta-nos a decência de fazermos o que é correto – proteger os nossos idosos e aqueles que precisam da ajuda de todos para manterem a sua dignidade enquanto pessoas.

 

Pedro Vaz

Que Estado queremos?


Já tive a oportunidade de aqui escrever em março passado sobre alguns ensinamentos que a pandemia de COVID-19 nos trouxe. Um deles dizia respeito ao funcionamento dos serviços da administração pública, que se encontram já demasiado depauperados fruto do desinvestimento de décadas a reboque do discurso de Estado a mais e funcionários públicos a mais.…


Já tive a oportunidade de aqui escrever em março passado sobre alguns ensinamentos que a pandemia de COVID-19 nos trouxe. Um deles dizia respeito ao funcionamento dos serviços da administração pública, que se encontram já demasiado depauperados fruto do desinvestimento de décadas a reboque do discurso de Estado a mais e funcionários públicos a mais.

O resultado está hoje à vista. Temos, hoje, serviços públicos sem capital humano especializado e que consiga dar resposta cabal e célere às necessidades urgentes que se verificam, sejam elas no SNS ou na Segurança Social.

A apuradíssima intervenção da Provedora de Justiça, quando alerta para os atrasos do processamento das reformas ou da atribuição dos subsídios de desemprego, é reflexo disso mesmo.

Outro dos ensinamentos referia-se ao relacionamento do Estado com o setor da economia social. Também aqui, ao longo de décadas a política principal foi atirar dinheiro (arrisco a dizer milhares de milhões de euros) para instituições (IPSS), que apesar da boa vontade e esforço de muitos, não resultou numa política eficaz de apoio aos mais idosos.

Lares ilegais, como cogumelos e sem os mínimos exigíveis para funcionar, pulularam em todo o país. Instituições e lares sobrelotados, sem recursos humanos capacitados e especializados no cuidado de pessoas são hoje a regra num país cada vez mais envelhecido e com necessidades ainda maiores que há alguns anos.

Quem conhece, minimamente, bem o modo de funcionar destas instituições, verifica que elas não são mais que aquilo que somos enquanto sociedade e país. Os recursos humanos especializados e técnicos superiores são pagos a preços de salário mínimo (quando não é pior). Muitos deles são a extensão do cacique local que manda na junta de freguesia e na IPSS da freguesia e onde emprega os seus familiares, etc. O caldo perfeito onde dinheiro público é despejado e depois não existe qualquer fiscalização, quer do seu modo de funcionamento, quer da existência ou não de funcionários suficientes para o número de utentes ou se o espaço físico é o suficiente ou adequado.

Dito isto, importa realçar o esforço que tem sido realizado pelos serviços públicos nestes últimos meses, tentando agilizar e dar a resposta necessária aos milhares de solicitações urgentes em tempo útil e que durante décadas, por inércia ou incúria dos governantes, dirigentes e gestores públicos ou por simples opção política e consciente de desinvestimento, não foi feita.

Não querendo desculpar a falta de cuidado com as palavras ou forma de expressão da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, não posso deixar de referir que todos temos momentos menos bons ou cometemos erros na nossa ação. Também não posso deixar de referir que não é honesto responsabilizar uma Ministra (ainda que a responsável máxima sectorial) por décadas de inação, inércia ou incúria de todos os outros governantes que a precederam. Recordo que Ana Mendes Godinho é responsável pela área há menos de 1 ano e que tem sido confrontada com a excecionalidade do momento. Com isto quero dizer que esteve bem? Não, não quero. Esteve mal e tem a obrigação de, no tempo em que for Ministra, lançar pelo menos as bases que ajustarão a Segurança Social aos tempos presentes e a situações de emergência e excecionalidade que possam existir no futuro.

O que aconteceu no lar em Reguengos de Monsaraz e, felizmente, com menos gravidade noutros lares em todo o país, deve-nos refletir sobre o tipo de instituições de solidariedade social queremos. Manter as coisas como estão, sem fiscalização adequada, sem trabalhadores especializados, com vínculos precários e mal pagos, com abusos (lembremo-nos do caso “Raríssimas”)? Ou se queremos um Estado mais atuante criando uma espécie de Serviço Nacional de Apoio Social e que assuma os cuidados com os que mais precisam, substituindo instituições particulares que em muitos casos já se demonstraram incapazes (por falta de conhecimento ou capacidade financeira) para o fazer?

Não sendo opções exclusivas o certo é que uma sociedade que não consegue cuidar dos seus mais desprotegidos e frágeis, não é uma sociedade decente e nestes tempos de tanta incerteza resta-nos a decência de fazermos o que é correto – proteger os nossos idosos e aqueles que precisam da ajuda de todos para manterem a sua dignidade enquanto pessoas.

 

Pedro Vaz