Portugal, o racismo e o pastel de massa tenra
Falemos então de Portugal …
A língua (ai a nossa língua, a escrita e a construção figurativa …),
A paisagem (dos montes e vales e o meu Zêzere nas matinas de frescura tamanha), (as praias de sal, iodo e ondas épicas da Nazaré e da Caparica, obra-prima do Criador …)
Os costumes (ai os costumes dos portugueses, como na minha terra, onde respeitosamente ainda se tira o chapéu em vénia às senhoras – hoje é mais o boné – e também ao passar frente às igrejas; persignamo-nos ao sair para a rua, quando começa mais um dia de labor …)
E o cozido à portuguesa e a “panela no forno” (a “panela” que é o “cozido” da minha terra, mas com arroz que enche a alma de um “defunto”)
O pastel de Belém (ai a nata de Belém e arredores, que desnata qualquer empedernido regime de reestruturação física) e o pastel de massa tenra da Covilhã (essa massa estaladiça que quem não prova não conhece a iguaria mais parceira do açafrão)…
Mas noutro plano, adoro também o eterno acomodar do meu Sporting, (que vê anualmente Braga por um canudo afirmativo), até ao clube da Luz, com o mais belo estádio de Portugal, e que, com tantas aquisições, mais parece ter comprado uma máquina de euros certificada pelo Banco Central, prometendo conquistar tudo o que aparecer pela frente.
Depois vêm-me à memória os “Trovante” do Represas e do João Gil, o Veloso e a Ana Moura, o Abrunhosa e o Cid, que vão semeando obras-primas da música .
Mas confesso que também sou fã das extravagâncias políticas do nosso país, constituindo um outro mundo, fantasmagórico e cheio de anomalias ternurentas, que a cada dia se descobrem …
Por exemplo …
– Adoro a capacidade dos jornais e televisões portuguesas se reinventarem, em temas extravagantes, extraordinários, delirantes … como o “racismo” coisa que subitamente rebenta tal como os miscaros no meu quintal, bastando um simples e-mail que mais parece suscitar as guerras do Pokémon da Nintendo.
Um país com 800 anos de miscigenação, multirracialidade e mestiçagem que até tem a sua ministra da justiça provinda de refinada origem africana, exibindo apelido de “família bem” de Angola, mas que aceita levar a sério que o “racismo” chegue por via digital, perante a excitação de ensandecidos fautores das tv’s e correlativos …
Um país onde um dos meus netos, menino espigadote e esquisito, se dá carinhosamente como se irmão fosse com o António, outro menino de ébano e beleza infinita de Moçambique e coração de mel formatado pelo Pai que Deus lhe pôs no caminho.
– Mas adoro também Portugal quando discute o hidrogénio – esse desconhecido até para o secretário Galamba – depois de ter recusado em 2018 o petróleo no Algarve, esse nosso conhecido, com tecnologia assente para exploração e que faz a riqueza de tanta gente no mundo, mas impossível em Portugal.
Continuemos então a parar nas áreas de serviço e deixemo-nos assaltar pelo Estado fiscal, tranquilamente, em cada litro de gasóleo, enquanto não chega o hidrogénio lá para 2060 …
– Adoro Portugal que tem um ministro do Ambiente que critica em público o presidente do Brasil por causa da floresta da Amazónia.
A mesma ministerial figura que se senta a ver televisão e a floresta portuguesa, com milhares e milhares de hectares que são hoje terra queimada em Pedrogão, Leiria, Sertã, Gardunha, Monchique e Gerês e só lá para 2040 voltarão à plenitude verdejante.
Este ministro deixará muito menos floresta do que quando tomou posse, mas é a Amazónia que preenche os seus pensamentos primordiais. Adoro o desplante …
– Adoro também o Portugal que convive com as teses da extrema-esquerda sobre o Brasil e USA, que assim estariam como exemplos acabados de “ditaduras”.
Já o que se passa aqui em Portugal com um governo minoritário, sempre em busca do par perdido como se fosse uma doida dançante na busca diária de apoio maioritário, isso pouco importa.
Mesmo aqui ao lado na Espanha do rabo cavalar no poder e, em mais distantes paragens como a Bielorussia, o futuro é muito “esperançoso” para a humanidade na componente venal da sua história …
– Adoro Portugal da democracia top, com a nossa Assembleia da República, soberana dos seus 230 deputados/as para representarem 10 milhões de lusos cidadãos.
Já a Holanda com 17 milhões hab, se seguisse o fado português e aplicasse uma regra parlamentar de proporcionalidade demográfica, devia ter 370 deputados mas tem 150, enquanto o parlamento de Portugal, seguindo a Holanda devia ter qualquer coisa como 110 deputados e tem 230.
Adoro Portugal, mesmo assim.
– Onde o presidente da República não é eleito para governar, mas está sempre em directo para explicar muito bem e até ao tutano, todas as decisões do governo, sabendo de todos os dossiers e de todas as coisas talvez melhor que o primeiro-ministro …
Já o primeiro-ministro eleito para governar, ocupa-se de uma espécie de nova figura, o “recato “presidencial” de primeiro-ministro” enquanto em Belem, nas praias e ruas citadinas, exuberante, o presidente da República nunca mais para, assim questionando a CRP que sugere no texto e contexto da praxis constitucional o exercício de uma magistratura de influência discreta ..
Adoro Portugal, mesmo assim …
Por que será? Só pode ser vício.
Covilhã, Agosto 2020
Jurista