*Com Pedro Almeida
O surto de covid-19 num lar de Reguengos de Monsaraz, Alentejo, que acabou por resultar na morte de 18 pessoas, já fez correr muita tinta e suscitou pedidos de explicações, de apuramento de responsabilidades e uma investigação. Mas a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, colocou-se sob pressão, após uma entrevista ao Expresso. Em causa está o facto de ter admitido não ter lido o relatório da Ordem dos Médicos sobre tudo o que se passou naquele lar de idosos, tendo solicitado que a sua equipa o avaliasse.
A admissão valeu-lhe a crítica de “insensibilidade” por parte do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. “É no mínimo estranho e de uma enorme insensibilidade a ministra não ter perdido 15 ou 20 minutos para ler a auditoria que a Ordem dos Médicos fez. Competia-lhe ler o documento”, afirmou o bastonário, citado pela TSF. O CDS já pediu a demissão de Ana Mendes Godinho.
“A reação da ministra da Solidariedade Social à morte de 18 idosos em Reguengos de Monsaraz é dizer que não leu o relatório da Ordem dos Médicos e desvalorizar o impacto da pandemia nos lares”, começou por dizer o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, numa nota no Facebook. O dirigente foi mais longe: “A sua continuidade em funções é uma questão de saúde pública. Pedimos que se mantenha em férias e dê lugar a outro”.
O PSD, além de querer ouvir a ministra no Parlamento, também vai chamar Marta Temido, ministra da Saúde. Pelo caminho, emitiu ontem uma nota dura contra Ana Mendes Godinho. E, no limite, coloca o futuro da governante nas mãos do primeiro-ministro. De realçar que os sociais-democratas não têm por hábito pedir a demissão de ministros. Tem sido essa a regra imposta pelo líder do PSD, Rui Rio.
“O que se deve perguntar é se Ana Mendes Godinho sabia ou não sabia do que se estava a passar no lar de Reguengos de Monsaraz. Estamos em crer que sabia, pelo que importa apurar quais as medidas que terá tomado para resolver o problema entretanto criado. Se sabia e não tomou as medidas adequadas, estamos perante um caso evidente de incompetência e de insensibilidade perante a morte de 18 portugueses”, começa por explicar o PSD, insistindo que se a ministra não sabia “ou ignorou deliberadamente a situação, então o caso afigura-se bem mais grave, colocando ao primeiro-ministro a responsabilidade de manter no Governo alguém que não está capacitada para o lugar”.
Por fim, o PSD lança um ataque cerrado ao PS, falando da “máquina socialista” local: “A ocupação generalizada das estruturas da administração local e regional por parte do Partido Socialista é uma prática que atinge no Alentejo uma dimensão insuportável. Ora, era a este nível que o problema deveria ter sido atalhado em primeiro lugar, e não o foi”, defenderam os sociais-democratas.
O Chega, tal como o CDS, também pediu a demissão da ministra do Trabalho.
De Belém, Marcelo Rebelo de Sousa também deu um recado indireto à ministra: “É preciso ler todos os relatórios”. E são quatro ao todo: o da Câmara de Reguengos de Monsaraz, o da detentora do lar em causa, o da Administração Regional de Saúde e o da Ordem dos Médicos, o tal que a ministra não terá lido. Para o chefe do Estado, a justiça tem “muita matéria para apreciar”, avisou Marcelo este fim de semana, a partir da praia do Alvor, onde se encontra de férias.
Do lado da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, o seu presidente, Rui Nogueira, diz ao i que “todos os relatórios são importantes e têm de ser analisados com muito cuidado – neste caso, mais ainda, porque se trata de uma situação em que ainda temos muito para aprender e estamos a aprender a cada dia que passa”.
Considerando que “um relatório de um lar de idosos que teve problemas é mesmo muito importante”, Rui Nogueira ressalva que “a ministra disse que mandou analisar o relatório porque, supostamente, não é entendida na matéria. E por isso mandou analisar. Quer dizer que está atenta. Não ter lido o relatório ela própria mas ter dado a outros para analisar quer dizer que está atenta ao problema”.
No meio desta polémica, a ministra emitiu um esclarecimento a considerar que o Expresso descontextualizou uma frase sua da entrevista (que deu um título) de forma “grave”. A frase era: “ A dimensão não é demasiado grande em termos de proporção”. A declaração referia-se ao problema dos surtos nos lares de idosos. A ministra disse que “tivemos 365 surtos [em abril] e temos 69 agora! Claramente, temos menos incidência. Temos 3% do total dos lares e temos 0,5% das pessoas internadas em lares que estão afetadas pela doença! A dimensão não é demasiado grande em termos de proporção. Mas claro que isto não significa que não devamos estar preocupados e mobilizados para reforçar a guarda”.