Os lares têm sido um foco de preocupação desde o início da pandemia, mas agora, com o número de casos de infeção por covid-19 a diminuir diariamente, continuam a surgir surtos nas estruturas residenciais para idosos. Os números avançados esta segunda-feira apontavam para 745 pessoas infetadas em 72 lares de idosos – 545 utentes e 200 funcionários. Desde março, continua a faltar, sobretudo, regulamentação, recursos humanos e espaço nos lares para cumprir regras de segurança. E as falhas são apontadas, em grande parte, à Segurança Social e à própria gestão dos lares.
“A questão é preocupante desde o início e infelizmente já tivemos vários surtos em lares e todos eles extremamente complexos de gerir”, explica Ricardo Mexia, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, que defende que é necessária a intervenção da Segurança Social para prevenir o contágio da doença nestas instituições. A Segurança Social “tem de fiscalizar, assegurar que todos têm as condições necessárias, que têm planos de contingência, que têm os recursos humanos necessários e, se surgir alguma situação, têm de saber o que fazer”, acrescenta.
Em termos práticos, há muitas falhas identificadas nos lares que contribuem para a contínua deteção de casos positivos. Para Ricardo Pocinho, presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social, “os números são a prova daquilo que se vive hoje nos lares”. “Em março, os lares já estavam cansados, hoje estão absolutamente desfeitos”, afirma Ricardo Pocinho, acrescentando que na maioria dos casos se verificou “um baixar da guarda”. Ou seja, “houve cuidados que deixaram de se ter: o número de visitas nem sempre é respeitado, pessoas que até há uns tempos não tinham permissão para entrar dentro das instituições, agora já têm, como os fornecedores, o facto de as pessoas já não terem um par de calçado só para a instituição”.
Em permanente contacto com as várias instituições, o presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social explica que, em algumas instituições, a gestão também já voltou aos moldes pré-covid. “Mal houve oportunidade, foram retomadas as listas de espera dos utentes e criou-se outra situação, é que hoje não existe sequer um quarto de isolamento. Os utentes vão a uma consulta ao hospital e no regresso não podem fazer o isolamento profilático e sete ou 14 dias, porque o lar está a abarrotar outra vez”, avança Ricardo Pocinho.
“Um verdadeiro barril de pólvora” Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) recorre ao caso dos lares ilegais para exemplificar o “silêncio ensurdecedor” do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) na questão dos lares: “Não faz qualquer sentido que um lar clandestino necessite de testes e que esses testes sejam feitos pelos centros de saúde”. O SIM diz que o MTSSS “tem como função o licenciamento, a fiscalização, a supervisão dos lares, o próprio financiamento, mas em relação à pandemia tem-se mantido totalmente à margem, passando para a Saúde toda a responsabilidade”. Esta realidade tem tranformado os lares “num verdadeiro barril de pólvora”.
Já Lino Maia, presidente da Confederação das Instituições de Solidariedade, defende uma articulação entre Saúde, Segurança Social e instituições. “Há uma desarticulação entre Saúde e Segurança Social. Às vezes dá a sensação de que a Saúde não considera estas instituições e apenas está voltada para o que é público, e não para o setor social e solidário. Este setor fica um pouco ostracizado”, acrescenta Lino Maia.
O surto no lar em Reguengos de Monsaraz foi o caso mais preocupante. Naquela instituição morreram 18 pessoas e ontem, a Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, que detém o lar, garantiu em comunicado que fez “tudo o que estava ao seu alcance e dentro das suas competências, com a ajuda de várias dezenas de instituições e pessoas” para garantir a segurança dos utentes e funcionários.
Depois deste caso, um lar no concelho de Torres Vedras contava esta segunda-feira com 74 casos positivos. Em Vila do Conde e Póvoa de Varzim, as visitas a lares e a Unidades de Cuidados Integrados foram suspensas depois de identificados vários focos de infeção em utentes e funcionários.
Proibir visitas por tempo indefinido não é solução A Direção-Geral da Saúde (DGS) defendeu esta segunda-feira que a suspensão de visitas deverá ser avaliada localmente, de acordo com a evolução do número de casos em cada instituição. O que “não quer dizer que amanhã a situação não seja totalmente diferente, como tantas vezes já aconteceu nesta pandemia”, alertou Rui Portugal, vice-diretor da DGS.
Esta opção – de suspender as visitas aos utentes dos lares – tem, no entanto, poucos defensores. Se, por um lado, Lino Maia defende que as infeções que se têm registado não são transmitidas pelas visitas, mas sim “pelo conjunto de situações, nomeadamente por trabalhadores que, naturalmente, têm de estar em trânsito e podem ser veículos involuntários de transmissão”, existe, por outro lado, a questão afetiva. Tanto o Sindicato Independente dos Médicos, como o médico Ricardo Mexia alertam para a necessidade de manter os idosos em contacto com as habituais visitas.
“Temos de encontrar soluções, sejam tecnológicas, sejam de separação física, mas que permita que as pessoas se vejam e que não permitam a passagem da doença”, disse Ricardo Mexia, dando como exemplo a possibilidade de ter uma sala onde houvesse uma separação com um vidro.
Já Jorge Roque da Cunha defende que “não é solução transformar os lares piores do que prisões”. “Não é possível pensar em proibir as visitas indefinidamente, dois, três, seis meses. Criamos aí outro problema: ao mesmo tempo que existe uma pandemia, cria-se um problema gravíssimo de saúde mental. Não temos dúvida nenhuma de que sem o carinho das pessoas, naturalmente com todo o cuidado e com todas as preocupações, as pessoas morrerão mais cedo, não de covid, mas deprimidas, acrescentou o secretário-geral do SIM.