O mundo acordou ontem com uma notícia que trouxe esperança e incredulidade. A Rússia tem a primeira vacina contra a covid-19 registada no mundo. E, segundo o Ministério da Saúde daquele país, a vacina entrará em circulação a 1 de janeiro de 2021.
A Sputnik V – assim foi batizada a vacina, numa referência ao satélite enviado para o espaço pela União Soviética em 1957 – foi desenvolvida por investigadores do Centro Gamaleia, em Moscovo, que trabalham em colaboração com o Ministério da Saúde russo, e foi aprovada, apesar de ter menos de dois meses de testes.
Alguns membros das famílias de oficiais do Governo já testaram a vacina e o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse que a sua própria filha foi uma das “cobaias”.
“Eu sei que [a vacina] funciona bastante eficientemente, forma uma forte imunidade e, repito, passou todos os testes necessários”, disse Putin. Aquando da primeira injeção, a sua filha teve febre – 38 oC – mas, no dia seguinte, voltou a descer para os 37 oC. Quando a vacina foi administrada pela segunda vez, a temperatura corporal voltou a subir, mas depois regressou ao normal.
“Ela está a sentir-se bem e tem um grande número de anticorpos”, revelou o Presidente russo, que não especificou qual das suas filhas recebeu a vacina – se Maria ou Katerina.
As autoridades russas indicaram que os primeiros a ter acesso à vacina serão os profissionais de saúde, professores e grupos de risco – processo que deverá começar a ser posto em curso em outubro.
A produção da vacina irá avançar no próximo mês e, nas palavras de Putin, não deverá demorar até chegar aos restantes cidadãos: “Espero que possamos começar a produzir em massa brevemente”.
Vários países já se mostraram disponíveis para produzir a Sputnik V, nomeadamente a Índia e o Brasil. O Presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, foi mais longe, afirmando estar disposto a testá-la. “Quando a vacina chegar, vou vacinar-me em público. Experimentá-la em mim parece-me bem. Se funcionar comigo, funcionará com todos”, prometeu o Presidente.
O processo de criação da vacina foi tratado pelas autoridades russas como a corrida ao espaço durante a Guerra Fria, o que fez soar alguns alarmes na comunidade internacional, que temeu que o prestígio internacional de ser o primeiro país a apresentar uma vacina fizesse com que a Rússia não respeitasse os procedimentos de segurança.
Na altura, a Organização Mundial da Saúde pediu respeito pelos protocolos e pelos regulamentos em vigor sobre o desenvolvimento de vacinas.
Vitória, mas a que custo? Apesar de a vacina ter sido aprovada pelas autoridades de saúde russas, não foi realizada a designada terceira fase de testes, em que são detetados os efeitos secundários e que costuma envolver milhares de pessoas – demora vários meses até se ter a certeza de que pode ser administrada com toda a segurança.
“Esta foi uma decisão política de Putin para poder dizer que a Rússia foi a primeira na corrida para desenvolver a vacina contra a covid-19”, disse Svetlana Zavidova, diretora executiva da Organização de Testes Clínicos.
Peritos da OMS e autoridades de saúde russas estão atualmente em contacto e a discutir uma possível pré-qualificação da OMS para esta vacina recém-aprovada. “Estamos em contacto próximo com as autoridades de saúde russas e as discussões estão em andamento em relação à possível pré-qualificação da vacina pela OMS, mas, novamente, a pré-qualificação de qualquer vacina inclui a revisão e avaliação rigorosa de todos os dados de segurança e eficácia exigidos”, disse o porta-voz da OMS, Tarik Jasarevic, que acrescentou que “acelerar o progresso não deve significar comprometer a segurança”.
A Rússia foi um dos países mais atingidos pelo novo coronavírus com, até ao momento, 897 599 infetados e 15 131 mortes. Especialistas temem que utilizar uma vacina que não seja 100% eficaz na população possa causar graves problemas.
O Guardian alerta que, caso não apresente resultados eficientes, a vacina pode ter um efeito negativo para o movimento antivacinas que, apesar dos efeitos devastadores da pandemia, continua a hesitar na utilização de vacinas.
A Bloomberg diz que a vacina russa é um golpe de propaganda do Kremlin e lembra que, no mês passado, hackers russos foram acusados de roubar investigações sobre vacinas contra a covid-19.
Além desta, estão a ser desenvolvidas mais de 100 vacinas em diversas partes do globo e, segundo dados da OMS, pelo menos quatro encontram-se atualmente na fase 3 de testes com humanos.