Os portugueses conseguiram atenuar as quedas do setor turístico em junho – ainda assim, de forma insuficiente para recuperar os valores alcançados em anos anteriores, altura em que a atividade batia recordes atrás de recordes. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), nesse mês, o setor do alojamento turístico deverá ter registado 500,5 mil hóspedes e 1,1 milhões de dormidas, o que corresponde a quedas de 81,7% e 85,1%, respetivamente. No entanto, o gabinete de estatística lembra que, nesse mês, quase metade (45,2%) dos estabelecimentos terão estado encerrados ou não registaram movimento de hóspedes.
“De acordo com os resultados de um questionário específico adicional que o INE promoveu durante os meses de junho e julho, 62,6% dos estabelecimentos de alojamento turístico respondentes (representando 78,6% da capacidade de oferta) assinalaram que a pandemia de covid-19 motivou o cancelamento de reservas agendadas para os meses de junho a outubro de 2020, maioritariamente dos mercados nacional e espanhol”, diz o documento.
Segundo o mesmo, a maioria dos estabelecimentos que previam estar em atividade entre junho e outubro contavam registar “taxas de ocupação inferiores a 50% em cada um desses meses”.
Cancelamento de reservas
O Alentejo, segundo os mesmos dados, “destacou-se ao apresentar uma diminuição do número de dormidas de 48,4% (-31,2% no caso dos residentes e -84,7% no de não residentes)”. A totalidade dos principais mercados emissores de turistas “manteve decréscimos expressivos em junho, superiores a 90%”.
A Região Autónoma dos Açores foi a que “apresentou maior peso de estabelecimentos com cancelamentos de reservas (94,1% dos estabelecimentos e 91,3% da capacidade oferecida), seguindo-se o Algarve (79,2% e 89,6%, respetivamente), a Região Autónoma da Madeira (76,5% e 91,3%, pela mesma ordem) e a Área Metropolitana de Lisboa (73,8% e 84,6%, respetivamente)”, refere o INE.
“Quando questionados sobre os principais mercados com cancelamentos de reservas entre junho e outubro (podendo cada estabelecimento identificar até três mercados), o mercado nacional foi o mais referido, tendo sido identificado por 49,3% dos estabelecimentos de alojamento turístico”, adianta.
O mercado espanhol foi o segundo mais referido (46,8% dos estabelecimentos), seguindo-se os mercados britânico (37,5%), francês (33,3%) e alemão (25,0%).
O alerta já tinha sido dado pelo presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) que, em entrevista ao SOL, admitiu que “o setor do turismo está a atravessar a maior crise deste século e tornou-se o setor mais prejudicado por esta pandemia, porque o turismo é baseado na deslocação para outros sítios e na proximidade das pessoas”, e que houve uma quebra nas novas reservas. “Havia hotéis que tinham novas reservas para julho e não puderam abrir porque tiveram uma quebra de 70% nas novas reservas. Não podia ter sido pior, e na altura em que foi”, disse Raul Martins, acrescentando que, “se fosse em janeiro, não teria mal nenhum”.
Preços inalterados
De acordo com o INE, mais de metade (57%) dos estabelecimentos turísticos não preveem alterar os preços praticados face ao ano anterior, enquanto cerca de um terço (34,9%) admite vir a reduzir os preços, “encontrando-se maioritariamente localizados na AM Lisboa e no Algarve (58,8% e 54,5% dos estabelecimentos, respetivamente)”.
Face à aplicação de medidas de distanciamento social e de higiene e limpeza dos estabelecimentos, quase metade (49,1%) dos estabelecimentos adiantaram que a capacidade de oferta será reduzida, “principalmente decorrente do aumento do intervalo de tempo entre o check-out [saída] e o check-in [entrada] dos hóspedes (55,9% dos estabelecimentos) e da redução do número de quartos (48,6%)”.
O INE colocou aos estabelecimentos de alojamento turístico novas questões visando avaliar o impacto da atual pandemia de covid-19 na sua atividade, nomeadamente quanto às reservas e cancelamentos no período de junho a outubro de 2020, por principais mercados, expetativas sobre qual a ocupação para estes meses, política de preços e quais as medidas adotadas com possível impacto na redução da capacidade oferecida pelos estabelecimentos, tendo obtido cerca de 3900 respostas válidas.
Aliás, essa garantia já tinha sido dada por Raul Martins ao afirmar que os preços já estão a baixar porque entende que alguns hotéis que abrem acabam por andar a roubar clientes uns aos outros. “Os clientes não vêm por ser mais barato, vêm por uma questão de segurança. Claro que Lisboa, como cidade turística, não tem problema. A comunicação foi mal feita. Quando disseram que a região de Lisboa ia ser outra vez confinada, lá fora só se lê Lisboa, não se lê região de Lisboa. A única freguesia de Lisboa que esteve confinada não tem monumentos, não há um hotel, não tem restaurantes turísticos, ou seja, não tem atividade turística. Portanto, não havia risco mas, como foi mal comunicado, os turistas deixaram de vir porque pensaram ‘aquilo em Lisboa está complicado, está perigoso’. Mas as pessoas que chegam cá veem que não é isso que acontece. Acho que, nesse aspeto, houve uma falta de informação correta e exata por parte das autoridades portuguesas”, referiu na mesma entrevista.
Recorde-se que a AHP enviou à Câmara Municipal de Lisboa um conjunto de medidas que vêm no seguimento das que foram enviadas em abril deste ano. As medidas são orientadas para dois eixos: promoção turística; e serviços municipais, rendas, taxas/tarifas e impostos municipais. Para Raul Martins, “as medidas que venham a ser implementadas devem ser orientadas para o apoio à sobrevivência das empresas, como estímulo ao turismo interno e espanhol no que resta do verão e outono, mas também como medidas de mais longo alcance para a retoma progressiva do setor. Sem empresas, não haverá seguramente retoma do turismo”.
Entre as medidas apresentadas, a associação sugere a criação de estímulos dirigidos à pouca procura que a cidade tem de forma a estimular a economia local, através da “atribuição de um voucher de desconto a ser utilizado por cada turista que pernoite em estabelecimentos hoteleiros e alojamento local coletivo (hostels e guesthouses), por um mínimo de três noites, no valor de 50 euros por pessoa, para que este possa, à sua escolha, descontar em serviços turísticos, optando por utilizar esse valor em mais uma noite no alojamento, em equipamentos culturais, numa atividade de animação turística, etc. Os vouchers serão dados aos hóspedes pelo próprio estabelecimento em que eles se alojem”.
A AHP propõe também que os transportes públicos sejam gratuitos para todos os turistas hospedados em empreendimentos turísticos e alojamento local coletivo durante o período da sua estadia, residentes e trabalhadores, até março de 2021; assim como isentar os hóspedes dos empreendimentos turísticos e alojamento local coletivo do pagamento de entradas em todos os espaços culturais e equipamentos geridos pela autarquia até à mesma data.