Joaquim Veríssimo Serrão. Uma vida de História

Joaquim Veríssimo Serrão. Uma vida de História


Historiador, professor e académico, autor de uma vasta obra historiográfica e apaixonado por Santarém, Joaquim Veríssimo Serrão morreu, aos 95 anos.


Há menos de dez anos, Joaquim Veríssimo Serrão dava por terminada aquele que é a, provavelmente, a magnum opus da sua carreira: a História de Portugal, publicada pela Editorial Verbo, que se espraiou em 19 volumes. Foi um labor que o ocupou até àquela que viria a ser a última década da sua vida e, tendo passado os últimos anos debilitado, este foi, efetivamente, o esforço final de um historiador que, durante a sua carreira, primou pela vasta produção bibliográfica. Joaquim Veríssimo Serrão morreu na passada sexta-feira, aos 95 anos, em Santarém, a capital de distrito ribatejana à qual fica indelevelmente ligado. “O meu pai, que estava doente há vários anos, foi um eminente historiador, pedagogo, investigador e académico que deixa uma obra monumental, como a História de Portugal da Editorial Verbo, que contribuiu para renovar a historiografia em Portugal e formar muitos jovens investigadores”, disse à Lusa o filho do historiador, Vítor Serrão.

Para lá dos 19 volumes da História de Portugal, o professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) publicou outras obras de relevo, como a História de Portugal dos séculos XV a XVIII e a História do Brasil dos séculos XVI e XVII. “Nas mensagens que me foram transmitidas é de destacar o elogio unânime de quem o teve como professor e com ele aprendeu a amar a História”, afirmou ainda o filho do historiador.

A paixão da história Nascido em Tremês, no concelho de Santarém, a 8 de julho de 1925, Joaquim Veríssimo Serrão percorreu o seu percurso académico durante um programa sobre a Academia Portuguesa de História conduzido por Raquel Santos, em 2005. “O meu pai era um modesto e honrado comerciante de Santarém que muitas vezes me dizia: ‘Filho, é melhor ter o curso do que ter uma fortuna, porque o dinheiro foge, ao passo que o curso fica’”. Terminou o ensino liceal no velhinho Liceu de Santarém, no último ano em que a escola funcionou no Largo do Seminário, e hesitou entre a preferência do pai – o Direito – e a paixão que já sentia pela História na hora de escolher o curso. Acabou por fazer um ano de Direito, que “não correu bem”, e foi então tirar o Curso de Letras Histórico-Filosóficas, na Universidade de Coimbra, que terminou em menos um ano do que o previsto (eram cinco, demorou quatro) com média de 16 valores. Tinha duas fortes motivações para acabar depressa e bem a formação, contou na mesma entrevista: “Queria casar-me e queria ir lá para fora como leitor. As pessoas que nessa altura não ficavam como assistentes na faculdade tinham essa possibilidade dada pelo Instituto de Alta Cultura, um organismo do Ministério da Educação Nacional que ajudava os que não ficavam como assistentes a ir lá para fora, enquanto ensinavam português e iam preparando as suas teses de doutoramento”.

Nos corredores de Coimbra há quem aponte o facto de não ter sido convidado para se tornar assistente por ter pertencido ao MUD Juvenil e sido próximo de Salgado Zenha. Acabou por efetivamente sair do país depois de terminar o curso, em 1948, e, apesar de ter preferência pela Alemanha, acabou por rumar à Universidade de Toulouse, em França, como leitor de Cultura Portuguesa.

Já era então conhecido no meio académico português, uma vez que, em 1947, publicou o Ensaio Histórico sobre o Significado da Tomada de Santarém aos Mouros em 1147. Em Toulouse publicou o estudo A Infanta D. Maria (1521-1570) e a sua Fortuna no Sul da França e dedicou-se à investigação histórica sobre ilustres portugueses que passaram por aquela academia, como António de Gouveia, Francisco Sanches, Diogo de Teive e Manuel Álvares.

A sua tese de doutoramento, “O Reinado de D. António Prior do Crato: 1580-88”, foi defendida em Coimbra em 1957 e, pouco depois, é convidado para integrar o corpo docente da FLUL. Nos anos seguintes, constrói um sólido percurso como investigador e pedagogo. E é esse legado feito de muita gente formada sob a sua orientação que torna também o seu percurso especialmente rico. “É, justamente, a marca pedagógica, porque formou uma quantidade de alunos, incluindo futuros investigadores, arquivistas, gente ligada à cultura que teve o privilégio de conviver com o magistério do meu pai”, acrescentou o filho do historiador. Foi diretor do Centro Cultural Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, entre 1967 e 1972 e, no ano seguinte, tornou-se reitor da FLUL. Era amigo de Marcello Caetano – publicou inclusivamente duas obras sobre esta proximidade, Confidências no Exílio (publicada em 1985) e a Correspondência com Marcello Caetano 1974-1980, dada ao prelo em 1994 – e foi demitido do cargo após o 25 de Abril.

Em 1975 passou a presidir à Academia Portuguesa da História, cargo que manteve até 2006, e ainda hoje era presidente de honra da instituição. Na década de 80 foi ainda o grande impulsionador do Instituto Politécnico de Santarém (IPS), do qual se tornou o primeiro presidente.

Ao longo da sua carreira foi distinguido diversas vezes, nomeadamente com o Prémio Príncipe das Astúrias Ciências Sociais, em 1995. Era académico efetivo da Academia das Ciências de Lisboa e, entre outras instituições científicas, membro efetivo da Academia de Yuste, em Espanha, para além de ter recebido vários doutoramentos honoris causa.

Quando fez 85 anos doou a sua biblioteca à Câmara Municipal de Santarém, que agora decretou três dias de luto municipal devido à morte do historiador. Marcelo Rebelo de Sousa lamentou o desaparecimento de Veríssimo Serrão, lembrando um “amigo de muitos anos” que deixou “numerosos discípulos”.