Novo Banco. Roseta teve “razão antes do tempo” e critica atitude no PS

Novo Banco. Roseta teve “razão antes do tempo” e critica atitude no PS


Ex-deputada eleita nas listas do PS foi a primeira a denunciar venda de imóveis do banco por uma pechincha e criticou deputado do PS João Paulo Correia por a desmentir.


A  polémica sobre a venda de imóveis do Novo Banco entrou na agenda política nos últimos dias, mas o tema não é novo. A primeira personalidade a lançar o tema, com perguntas e uma intervenção de fundo no Parlamento foi a ex-deputada eleita pelo PS Helena Roseta há um ano e quatro meses. 

Volvido este tempo, o caso denunciado pelo Público, com potenciais perdas de 260 milhões de euros para o Fundo Resolução ( o Novo Banco nega-as em toda a linha e está disponível para explicar tudo) veio dar razão à arquiteta. “Em toda a minha luta política tive muitas vezes razão antes do tempo. Aconteceu agora outra vez. O escândalo da venda do património imobiliário do Novo Banco, com largos prejuízos sempre compensados pelo Fundo de Resolução, foi a grande notícia de ontem”, escreveu ontem Helena Roseta na sua página pessoal helenaroseta.pt, um espaço na internet onde guarda as suas intervenções.

A ex-deputada recordou o que disse em Plenário no dia 14 de março de 2019, numa intervenção pedida a título pessoal ( e concedida pelo regimento do Parlamento aos deputados): “Em dezembro passado, consumou-se o contrato promessa do projeto Viriato do NB. A carteira imobiliária, com um valor contabilístico de 717 milhões de euros, era composta por 8.726 propriedades com usos residencial, industrial, comercial e terrenos. Foi vendida à Anchorage Capital Group que pagou apenas 389 milhões de euros. Uma pechincha. De caminho, a imparidade correspondente foi limpa do balanço e a perda soma-se às outras que os resultados do NB refletem. Certo é que o ‘buraco’ será mais uma vez coberto pelo Fundo de Resolução, com a ajuda de um empréstimo milionário do Estado”, declarou na altura. Mais, no dia 21 de março desse ano, na comissão de Orçamento e Finanças, Helena Roseta fez questão de questionar o presidente do Novo Banco, António Ramalho, “a propósito do Projeto Viriato, através do qual o Novo Banco vendeu perto de 9000 imóveis abaixo do valor do mercado”, como se recorda no seu site pessoal.

O próprio Novo Banco, numa reação à notícia do Público, recordou as respostas dadas nessa comissão: “Esta operação não foi feita a preços de saldo, mas sim a preços de mercado. Isso mesmo foi debatido com natural elevação com a Sra. Deputada Helena Roseta em reunião da COFMA em março de 2019 e foi objeto de documentação posterior enviada à referia Comissão onde se poderia verificar que o nível de exercício de direitos de preferência era irrisório (cerca de 1%), o que deitava por terra a ideia da ‘pechincha”.

 No hemiciclo, em março do ano passado, Helena Roseta afirmava: “A desalavancagem do Novo Banco está agora em curso. Na limpeza do balanço que tem vindo a fazer, estão a ser vendidos ativos imobiliários não estratégicos, ao desbarato e com grandes perdas, ao primeiro que se apresente. No geral, a um hedge fund, outro eufemismo para fundo abutre” e tudo a  “uma pechincha”. Na sua intervenção, disponível no site do Parlamento, Helena Roseta prosseguiu, insistindo que admitia que “a nacionalização simples do Novo Banco, que é defendida por algumas bancadas nesta Casa, pudesse ter custos mais elevados, como o primeiro-ministro aqui já disse. Mas já lá vão alguns milhares de milhões de euros e o processo ainda não terminou. Não conheço sequer a dimensão exata das imparidades do Novo Banco, em particular as que resultam de ativos imobiliários, mas, pelo que temos visto, será colossal”.  E depois surgiu a proposta concreta: “ Porque não há de o imobiliário não estratégico do Novo Banco ficar na posse do Estado? Porque se aceita passivamente que ele seja vendido ao desbarato, ainda por cima quando o mercado está sobreaquecido, quando afinal precisamos «como de pão para a boca» de imobiliário público para habitação?”. O discurso teve aplausos do PS e do Bloco de Esquerda. E deu direito a duas perguntas de esclarecimento: uma da deputada Maria Manuel Rola, do BE, outra do deputado e líder parlamentar do PCP, João Oliveira. No primeiro caso, Maria Manuel Rola (que integrou o grupo de trabalho para a habitação com Helena Roseta) concordou com a então deputada eleita pelo PSsobre a desregulação no setor habitacional, inacessível para muitas pessoas, designadamente, devido à “ financeirização da habitação e a certeza de que o investimento estrangeiro em imobiliário tem desregulado e tornado inacessível o direito à habitação”. E acrescentou: “Ao mesmo tempo, fundos imobiliários e bancos têm cada vez mais imóveis em carteira e as operações massivas, como a da Fidelidade e a do Novo Banco, ganham adeptos em Portugal. Provavelmente, as tão famosas SIGI (sociedades de investimento e gestão imobiliária) vêm ajudar a esta festa”.

Mais à frente, João Oliveira considerou que “essa é uma das questões colocadas desde o início em todo este processo, porque, privatizando-se o Banco depois da sua Resolução, isso significou que o património não ficou na disponibilidade do Estado para resolver problemas sociais, ficou na mão dos novos donos e, em particular, considerando quem ficou com o Novo Banco, à mercê de quem pretende obter lucro rapidamente”. Por isso, deixou um desafio a Helena Roseta: “ convença o Partido Socialista a mudar a a sua posição”. Na resposta, a então deputada ( que não é militante do PS) recordou um número: “ O Novo Banco vendeu quase 9000 imóveis. Os imóveis que o IRHU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) detém em nome do Estado para habitação social são 11 000. Só a carteira do Novo Banco do Projeto Viriato é quase tanto como toda a habitação pública do Estado português. Isto é inconcebível! Portanto, temos de fazer alguma coisa. É este o meu apelo: temos de fazer alguma coisa”. E recebeu aplausos novamente do PS e do Bloco de Esquerda.

Na altura, a proposta de Helena Roseta (para que o Estado pudesse ficar com o imobiliário do Novo Banco) não teve acolhimento do PS (apesar dos aplausos em plenário à sua intervenção). João Paulo Correia, deputado do PS disse, então ao Público, que o Estado não poderia intervir dessa forma nos bancos, (seria ilegal) porque se trataria de uma ‘capitalização encapotada’ e declarou: “Os ativos do Novo Banco estão a ser vendidos no mercado. Dizer-se que estão a ser vendidos a muito baixo valor é errado. Tanto assim é que a comissão de acompanhamento do Novo Banco disse que a venda foi feita através do mercado”. E acrescentou uma explicação técnica de que “existe uma diferença entre o valor que consta no balanço e o valor de venda”. Volvidos um ano e quatro meses, Helena Roseta registou a posição do deputado de forma dura: “O deputado socialista João Paulo Correia, que no ano passado se apressou a desmentir-me, chega-se agora à frente a dizer que tem muitas dúvidas sobre a legalidade do negócio do Novo Banco e quer chamar o seu presidente ao Parlamento. João Paulo Correia nem sequer pediu desculpa por chegar tão atrasado às evidências. É preciso ter lata!”, escreveu na sua página pessoal. Contactado pelo i, o deputado preferiu não comentar.

De realçar que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já pediu um “esclarecimento cabal, por todos os meios – seja jurisdicional, não seja jurisdicional, o que for entendido pelas autoridades competentes –, daquilo que se passou, nomeadamente num passado recente, nos anos mais próximos, que envolve, direta ou indiretamente, dinheiro dos portugueses”.

Há pelo menos dois meses que o PSD agarrou este tema, tendo-o levado, pelo menos um debate quinzenal, e no debate do Estado da Nação, o líder do PSD, Rui Rio, pediu mesmo a intervenção do Ministério Público. O primeiro-ministro, António Costa, já deu seguimento a este caso com uma carta ao Ministério Público para que se suspendam a venda de ativos do Novo Banco até à conclusão da auditoria da Deloitte. O prazo para a entrega da auditoria termina esta semana. E Marcelo também espera os resultados dessa auditoria.