“Isto é ridículo. Quase não há casos aqui e há uma probabilidade muito maior de contrair o vírus quando voltar ao Reino Unido”, queixou-se John Snelling, à Reuters, um dos muitos britânicos que foi de férias para as ilhas Baleares, convencido de que não teria de fazer uma quarentena de 14 dias quando voltasse a casa. Tudo mudou no sábado à noite, quando, subitamente, o Governo de Boris Johnson decidiu reimpor a quarentena obrigatória a viajantes vindos de Espanha, após um aumento no número diário de casos, concentrado sobretudo no nordeste da Catalunha.
O caso é muito semelhante às restrições impostas pelo Governo britânico a viajantes vindos de Portugal. Um surto numa região particular – Lisboa e Vale do Tejo, no caso português – causa um aumento nos novos casos a nível nacional, levando a restrições que afetam o país inteiro. De facto, houve um aumento marcado no número de novos casos em Espanha, passando de uma quatro centenas por dia, há duas semanas, para 2255 só esta sexta-feira, mas 1493 deles foram na Catalunha. Aliás, a vizinha França já recomendou aos seus cidadãos que evitem viajar para a comunidade autónoma. Já as Baleares, os últimos 14 dias, tiveram um total de menos de uma centena de novos casos.
Não espanta que o Governo espanhol esteja a negociar com o Reino Unido isenções da quarentena para os viajantes vindos das ilhas Baleares e das Canárias, regiões muito dependentes do turismo e que, até agora, ao contrário do resto de Espanha, escaparam ao pior da pandemia. São “territórios insulares, muito controlados, e, atendendo aos dados epidemiológicos, estão muito abaixo do grau de risco do Reino Unido”, lembrou a ministra dos Negócios Estrangeiros espanhola, Arancha González Laya.
Surpresa desagradável Quando divulgou a lista de países com corredores turísticos, de onde estava excluído Portugal, o Governo britânico prometeu que seria célere a revê-a, excluindo países caso fosse necessário. O que ninguém imaginou é que fosse tão célere: o próprio secretário de Estado britânico dos Transportes, Grant Shapps, instrumental na abertura de corredores aéreos, foi apanhado de surpresa quando estava de férias em Espanha, ficando obrigado a autoisolar-se no regresso.
“Nem inventado”, considerou Jonathan Ashworth, responsável dos trabalhistas para a Saúde. “Creio que diz tudo quanto ao tipo de abordagem do Governo quanto ao assunto”, lamentou. Ashworth mostrou-se compreensivo com a necessidade de atualizar a lista de países com restrições, mas “a maneira como esta decisão foi tomada nas últimas 24 horas é francamente atabalhoada”, criticou no domingo, em entrevista à Sky News.
Já o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Dominic Raab, explicou à televisão britânica que o Governo tomou a decisão tão rapidamente quanto podia, recebendo os dados na sexta-feira e decidindo no sábado, com as restrições a entrar em vigor de imediato.
“Não podemos pedir desculpa por fazê-lo”, declarou Raab. “Compreendo que é disruptivo para aqueles que estão a passar por isto, que estão em Espanha ou consideravam ir, mas temos de poder tomar ação rápida e decisiva para proteger o Reino Unido”, acrescentou.
O problema é que “enquanto é bastante certo que o patrão de Grant Shapps não se vai importar que ele tire outros 14 dias de folga, a natureza súbita desta reimposição espanhola vai causar grandes problemas para muitos veraneantes quando voltarem a casa”, escreveu uma correspondente da BBC, Helen Catt.
“Se tiveres um empregador que diz que vais perder o emprego se não fores trabalhar, e o Governo diz que tens de fazer quarentena, o que é que fazes?”, questionou ao canal britânico Rory Boland, diretor da Travel Magazine. Afinal, muitos dos veraneantes que já têm reservas marcadas, ou estão neste momento em Espanha, “não teriam viajado se soubessem que seriam obrigados a fazer quarentena no regresso”, lembrou Boland. Fica a questão: será que o caso espanhol vai minar a confiança nos restantes corredores turísticos, obrigando os britânicos a passar o verão no seu país, em vez de ir à procura de sol noutros países a sul?
Frustração “Estamos muito frustrados. De facto, sentimo-nos mais seguros aqui, porque toda a gente está a usar máscara”, afirmou Carolyne Lansell, uma turista britânica em Espanha, à TVE. Talvez Lansell tenha ido de férias antes do Governo de Johnson anunciar que o uso de máscara seria obrigatório em lojas e centros comerciais, com coimas de até 100 libras – a regra só entrou em vigor sexta-feira.
Apesar da Escócia ter conseguido manter a pandemia relativamente controlada, a situação no resto do país não está propriamente fácil: foram registadas 767 novas infeções no sábado. Mesmo assim, o Governo britânico manteve os seus planos de reabertura de estabelecimentos não essenciais, como piscinas interiores e ginásios, que puderam abrir portas de novo este fim-de-semana.
Entretanto, o Governo britânico continua sob fogo pela sua resposta à pandemia, que está a ser estudada por um inquérito parlamentar. Houve falhanços espantosos, falta de planeamento, de capacidade de testagem e distribuição de proteções, ou até idosos a serem enviados de hospitais para lares sem serem testados, ouviram os deputados, cujo relatório preliminar foi visto pelo Guardian. Se as restrições impostas a Portugal e Espanha são um bode expiatório ou não, está por apurar.