Campo das Amoreiras cheio como um ovo. Dia 10 de fevereiro de 1935. Quarta jornada de um campeonato que viria a ter como vencedor o FC Porto, tal como agora aconteceu. Um Benfica-Sporting muito especial, no entanto. Foi o primeiro dérbi a contar para os campeonatos nacionais. Era a estreia.
A efeméride merece que se adiantem as equipas que se apresentaram frente a frente. Benfica: Augusto Amaro; Francisco Gatinho e Gustavo Teixeira; Francisco Albino, António Lucas e Francisco Costa; Carlos Torres, Francisco Xavier, Vítor Silva, Luís Xavier e Alfredo Valadas. Um team cheio de Franciscos. Sporting: Jordão Joia; João Jurado e Joaquim Serrano; João Correia, Rui Araújo e António Faustino; Adolfo Mourão, Álvaro Pacheco, Manuel Soeiro, Ferdinando Oliveira e Francisco Lopes.
Gente para a história!
As coisas começam com equilíbrio, como é comum em disputas do género. Afinal, há alguém que, por pura protérvia, ponha em risco uma vitória num dérbi? Só algum tresloucado com bilhete só de ida para o Hospital Júlio de Matos.
Mourão era o mais descarado dos leões. Adolfo Mourão, uma das grandes personagens do clube de Alvalade, é o primeiro a arriscar um pontapé, de longe, para defesa de Augusto Amaro.
O povo ergue-se nas bancadas, uns tentando espreitar por cima dos ombros dos outros aquilo que já passou.
Ferdinando entra duro sobre Gatinho, o benfiquista coxeia, Soeiro aproveita para também molhar a sopa no defesa encarnado. Assobios. Gatinho é duro e aguenta-se. O Sporting vai ficando cada vez mais dono dos acontecimentos e ele sabe da importância fundamental que tem para a consistência da sua defesa.
Valadas solta-se da marcação. É um avançado poderoso, terrível. Quem o agarra? Vai pela direita com a bola controlada, vê a desmarcação de Carlos Torres pelo centro da defesa do Sporting, não falha o passe perfeito. Um pontapé violento, de primeira, e eis o Benfica a ganhar por 1-0. Estão decorridos 28 minutos. As bandeirinhas encarnadas agitam-se. Há quem atire o chapéu ao ar. Um abraço coletivo sela a vantagem. Mas há ainda tanto por jogar…
A resposta Soeiro é o primeiro dos sportinguistas a reagir ao golo sofrido – Manuel Soeiro, outro daqueles enormes nomes que edificaram a história do clube do leão. O intervalo chega sem alterações no marcador, mas o golo do Sporting adivinhava-se à distância. A águia estivera acuada vários minutos sucessivos, batendo-se com pundonor na defesa do golo único, mas abrira, aqui e ali, brechas nas suas linhas recuadas.
Cabia aos pupilos do treinador Filipe dos Santos irem à procura da felicidade. Do lado benfiquista, Vítor Gonçalves, que fora um jogador supimpa, pai do Vasco Gonçalves da Muralha de Aço, preferiu a expetativa. Um contragolpe poderia, se certeiro, garantir a vitória. Não foi assim.
Mourão bate Amaro, mas o árbitro que viera do Porto, Vieira da Costa, anula por offside. Exige-se nova carga. E Mourão insiste. Aos 65 minutos recebe um passe primoroso de Pacheco. O lance desenrolou-se para aí a três mil quilómetros por segundo, que é a velocidade da Luz. Augusto Amaro é a imagem do desalento: 1-1.
O Benfica percebe que cometeu um erro ao deixar-se dominar. Volta a adiantar as suas linhas, a bola é disputada cada vez mais a meio do campo, os choques sucedem-se, uma rispidez tomou conta dos jogadores de ambas as equipas, as faltas multiplicam-se, o público vaia este desafio a cada minuto que passa mais desinteressante.
Estão todos perante uma realidade nova. Pela primeira vez na história do futebol em Portugal, o dérbi tem pontos em disputa. A mentalidade dos técnicos e dos jogadores está numa fase de mudança. Um pontinho para cada não parece mau de todo. Aplicam-se tréguas até final. Mas os adeptos saem desiludidos.