Os partidos do bloco central (PS e PSD) decidiram aliviar o primeiro-ministro da maçada de prestar contas no Parlamento duas vezes por mês, passando essa arrelia para um espaço temporal de dois em dois meses.
Rui Rio deu a mão a António Costa e livrou-o do aperto quinzenal com este fantástico argumento: “O primeiro-ministro não pode passar a vida em debates quinzenais. Tem é de trabalhar”.
Concluímos, portanto, que dar conta assiduamente da atividade governativa aos deputados e, por intermédio destes, ao país não é trabalho de primeiro-ministro. Será, porventura, tarefa para cargos menores.
Dirão uns que o que está em causa não é prestar contas, mas sim fazê-lo de 15 em 15 dias. Isto é, ao terminar com uma prática instituída há mais de uma década, num outro Governo socialista, com o argumento da “banalização do debate”, menoriza-se o papel do Parlamento, ao mesmo tempo que se defende o afastamento do chefe do Governo do debate político, tornando-o menos frequente. António Costa agradece.
Este decisão coincide com uma outra. O Parlamento aprovou, com os votos do PS, a abstenção do PSD e da Iniciativa Liberal e os votos contra dos restantes partidos, uma alteração que eleva de 4 mil para 10 mil o número mínimo de assinaturas necessárias para que uma petição seja discutida em plenário. Note-se que a iniciativa partiu do PSD, que queria elevar o número de assinaturas para 15 mil.
Os cidadãos terão agora muito mais dificuldade em fazer chegar ao Parlamento propostas de iniciativas para debate. A “casa da democracia” decidiu, assim, criar mais dificuldades para que a voz do povo se faça verdadeiramente ouvir.
O que significam, portanto, estas decisões? O maior afastamento dos cidadãos dos seus eleitos, abrindo cada vez mais o caminho aos populistas, que agitam como principal arma esse evidente afastamento.
Um importante estudo sobre o partido Chega, da autoria do professor universitário e investigador Riccardo Marchi, foi recentemente publicado, dando origem a viva polémica, que levou mesmo a que um grupo de universitários que não concordaram com as conclusões da investigação escrevessem um texto acusando o autor do estudo de “higienização da realidade”.
“Enquanto investigadoras e investigadores, defendemos que a produção de conhecimento académico não se coaduna com propósitos de normalização, legitimação e branqueamento de um partido racista e com desígnios antidemocráticos”, escreveram.
Será útil, talvez, começar por ler com atenção o estudo de Riccardo Marchi, já publicado em livro, com o título “A Nova Direita Anti-Sistema. O Caso do Chega”. É um estudo sério, feito por um investigador que se tem dedicado ao estudo da direita política.
Talvez ajude a perceber a forma como os erros sistematicamente cometidos pelos partidos tradicionais têm alimentado o crescimento desta “nova direita antissistema”.
Jornalista