Das FARPAS aos nossos dias


Decorreram, nada mais que 149 anos desde que foi escrito o texto com que se inicia esta crónica e somos hoje exatamente idênticos ao que éramos então, não obstante as muitas mudanças operadas em Portugal e no mundo


«O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro.» (Eça de Queiroz, junho de 1871)

Todas as vezes que realizo a tarefa semanal de ler os jornais do fim-de-semana, não termino a mesma sem que me ocorra as extraordinárias e intemporais «Farpas» de Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz.

A genialidade dos autores demonstra-se com o facto de parecer que foram escritas na semana passada estas crónicas da 2ª metade do Séc. XIX. O tanto tempo que passou levou-nos essencialmente ao mesmo sítio.

Decorreram, nada mais que 149 anos desde que foi escrito o texto com que se inicia esta crónica e somos hoje exatamente idênticos ao que éramos então, não obstante as muitas mudanças operadas em Portugal e no mundo

Dir-se-á que os autores conseguiram captar aquilo que somos culturalmente, e será isso que mantém as suas palavras atuais, mas isso será apenas o nosso desporto nacional de desculpabilização pelos nossos defeitos e a incapacidade enquanto sociedade de fazermos uma simples autoavaliação às nossas ações.

Reflexo disto mesmo é a usual opinião pública devidamente encartada que semanalmente discorre sobre tudo e o seu contrário, asseverando hoje as verdades insofismáveis que daqui a 2 ou 3 anos (se tanto) o tempo se encarregará de desmentir e não tendo pejo em dizer exatamente o contrário do que afirmou anteriormente. Exceções há e haverá certamente.

A coerência não abunda e o sopro da brisa diária ou a corrente da maré são os alores principais.

Os bestiais de ontem são as bestas de hoje. Os novos bestiais de hoje o tempo ou a justiça se encarregarão de tornar as bestas e os cortesãos de sempre, rasgando as vestes, alvitrarão sem dó nem piedade.

Desta forma poderemos alegremente, como na campanha de Eça, continuar a tudo ambicionar sem, contudo, deixarmos de ser o que sempre fomos e nada mudarmos.

Das FARPAS aos nossos dias


Decorreram, nada mais que 149 anos desde que foi escrito o texto com que se inicia esta crónica e somos hoje exatamente idênticos ao que éramos então, não obstante as muitas mudanças operadas em Portugal e no mundo


«O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro.» (Eça de Queiroz, junho de 1871)

Todas as vezes que realizo a tarefa semanal de ler os jornais do fim-de-semana, não termino a mesma sem que me ocorra as extraordinárias e intemporais «Farpas» de Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz.

A genialidade dos autores demonstra-se com o facto de parecer que foram escritas na semana passada estas crónicas da 2ª metade do Séc. XIX. O tanto tempo que passou levou-nos essencialmente ao mesmo sítio.

Decorreram, nada mais que 149 anos desde que foi escrito o texto com que se inicia esta crónica e somos hoje exatamente idênticos ao que éramos então, não obstante as muitas mudanças operadas em Portugal e no mundo

Dir-se-á que os autores conseguiram captar aquilo que somos culturalmente, e será isso que mantém as suas palavras atuais, mas isso será apenas o nosso desporto nacional de desculpabilização pelos nossos defeitos e a incapacidade enquanto sociedade de fazermos uma simples autoavaliação às nossas ações.

Reflexo disto mesmo é a usual opinião pública devidamente encartada que semanalmente discorre sobre tudo e o seu contrário, asseverando hoje as verdades insofismáveis que daqui a 2 ou 3 anos (se tanto) o tempo se encarregará de desmentir e não tendo pejo em dizer exatamente o contrário do que afirmou anteriormente. Exceções há e haverá certamente.

A coerência não abunda e o sopro da brisa diária ou a corrente da maré são os alores principais.

Os bestiais de ontem são as bestas de hoje. Os novos bestiais de hoje o tempo ou a justiça se encarregarão de tornar as bestas e os cortesãos de sempre, rasgando as vestes, alvitrarão sem dó nem piedade.

Desta forma poderemos alegremente, como na campanha de Eça, continuar a tudo ambicionar sem, contudo, deixarmos de ser o que sempre fomos e nada mudarmos.