Na verdade, são três os acontecimentos marcantes ocorridos a um dia 19 de Julho de anos, porém, diferentes, mas que têm entre si, para além da respectivo dia e mês, uma ligação absolutamente indissociável. De certa forma são três dias 19 de Julho cuja relevância e significado histórico passam também pela afirmação individual de três personalidades distintas que na política se cruzaram e, democraticamente, se combateram, mas que ao mesmo tempo estiveram lado-a-lado em momentos-chave de afirmação da liberdade e da democracia pluralista, contra todas as formas tentadas de imposição de um regime totalitário e de pensamento único, como aquele que Álvaro Cunhal e o PCP preconizavam juntamente com os militares radicais do MFA.
1 – O primeiro destes acontecimentos ocorreu em 19 de Julho de 1934 e assinala o nascimento de Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro. Advogado e político português, foi a cara da oposição ao regime anterior, permitida por uma falsa “Primavera Marcelista” ao ter sido deputado da chamada “ala liberal” do partido único na Assembleia Nacional. Desiludido com o interminável inverno do regime, bate com a porta daquele Parlamento minado pela brigada do reumático de um regime caduco, cujo fim estaria muito próximo de acontecer. Em 6 de Maio de 1974 é a cara principal dos fundadores e líder, inicialmente incontestado, do então Partido Popular Democrático (PPD) e pouco tempo depois Partido Social Democrata (PSD). Passa por várias situações complicadas de saúde que o obrigam a afastar-se da liderança do seu partido e, mais tarde, após regressar ao comando do PSD, passa pela experiência de uma contestação interna que o vê cada vez mais como um “liberal” e não como um “social-democrata”. Assiste a uma terrível cisão no seu partido após o grupo parlamentar por si liderado se dividir em dois, em plena Assembleia da República, com a consequente deserção de vários notáveis da “social-democracia” para outras formações políticas que mais tarde desaguariam no PS… Nada que o deixasse abalar significativamente ou o impedisse um ano mais tarde de se tornar, legítima e democraticamente, Primeiro-Ministro de Portugal, após liderar a histórica coligação política pré-eleitoral – ALIANÇA DEMOCRÁTICA – entre PSD, CDS, PPM e um grupo independente de personalidades próximas ao PS conhecido como “Reformadores” que venceu as eleições intercalares de 1979 com a primeira maioria absoluta da democracia constitucional de 1976, reconfirmada e aumentada nas urnas uns meses mais tarde.
Sá Carneiro mostrou ainda ao país – muito conservador e fanaticamente católico à época – ser um homem livre e verdadeiramente moderno que queria transformar Portugal numa democracia evoluída e liberal nos costumes. Que o diga a sua relação amorosa com a mulher da sua vida Snu Abecassis, desassombradamente assumida por ambos e cuja paixão tórrida impressionava, e continua hoje a impressionar, qualquer escritor romântico. Natália Correia, amiga pessoal de Francisco e de Snu, classificava esta relação como a “maior revolução ocorrida em Portugal a seguir ao 25 de Abril”. Porém, tal situação era reprovada pelo conservadorismo mesquinho de muitos dos seus próprios aliados e colaboradores, bem como reprovada pelos hipócritas dos seus adversários políticos da esquerda “humanista e progressista” que, de resto, o magoou bem mais do que quaisquer outros ataques políticos ou traições partidárias sofridas, ao ponto de deixar bem claro que por ela estaria disposto a largar tudo e a deixar a política!
Morreu no exercício das funções de Primeiro-Ministro em 4 de Dezembro de 1980, assassinado na tragédia de Camarate, numa conspiração política que um dia se conhecerá em detalhe todos os seus efectivos contornos e respectivos implicados…
Teria feito ontem, muito provavelmente, 86 anos de vida!
2 – O segundo acontecimento foi o 19 de Julho de 1975, dia em que se realizou o comício do Partido Socialista da Alameda Afonso Henriques em Lisboa mas que ficou para sempre conhecido como da “Fonte Luminosa”.
Estávamos a viver um intenso e muito escaldante Verão no seguimento de uma Primavera muito quente, cuja temperatura subiu “a pique” logo a partir do spinolista dia 11 de Março que convocou a manifestação de uma “maioria silenciosa” que em silêncio se manteve, apenas servindo para dar gás aos “revolucionários” mais radicais e ignorantes do MFA, apadrinhados politicamente por um PCP organizado há décadas e a aumentar de forma consistente a sua influência social e o seu domínio sindical. Era então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves – uma figurinha militar que mais parecia fugitivo de uma ala psiquiátrica de um hospício qualquer – quem “chefiava” o Governo Provisório desde a saída de Palma Carlos. Já íamos no quarto Governo Provisório quando os Ministros do PS tinham abandonado o Governo, seguindo a decisão tomada pouco tempo antes pelos representantes do PSD. O quinto, e felizmente fatídico, Governo de Vasco Gonçalves era já dominado em exclusivo pelo comité central do Partido Comunista Português.
Este comício organizado por António Guterres foi, indiscutivelmente, um marco na evolução da revolução e um dos mais simbólicos episódios do combate feito pelos democratas ao PCP. Mário Alberto Nobre Lopes Soares, líder histórico do Partido Socialista, foi a cara de todos os democratas contra a tirania totalitária soviética comunista de Álvaro Cunhal. Apesar do seu ateísmo confesso e por toda a gente reconhecido, as suas relações com a Igreja Católica Portuguesa foram especialmente próximas neste período. Conhecem-se histórias de padres a apelar durante as missas nas igrejas da capital à participação dos católicos na manifestação do PS contra o comunismo que tinha debaixo de mira também a Igreja Católica… Mário Soares teve neste momento político uma capacidade inacreditável de mobilização popular. Quem fosse verdadeiramente democrata e pluralista teria forçosamente de ser contra a ditadura proletária em curso, pelo que tinha de estar ali naquele dia 19 de Julho de 1975. E esteve!
No discurso, Soares exige a demissão do Governo e ameaça que “o PS pode paralisar o país”. Acusa os comunistas – “esses irresponsáveis” – de terem criado uma “campanha alarmista sem precedentes” para travar a manifestação da Alameda. Chama-lhes com todas as letras de “paranóicos” e “dementados” e que “não representam o povo português”.
Mário Soares faz, ao mesmo tempo, questão de explicar que o PS não tem como objectivo pretender ilegalizar o PCP. “Dizemos que a reacção não passará, mas dizemos também que a social-reacção não passará. Temos dito, e prova-se na prática da nossa acção política quotidiana, que nós não somos anti-comunistas. Quem está a provocar o anti-comunismo, como nem Caetano nem Salazar foram capazes de provocar é a cúpula reaccionária do PCP”.
Apesar da figura de Mário Soares ser bastante controversa, a direita democrática não esquece a importância e o contributo do comício da Fonte Luminosa para a efectivação da democracia pluralista em liberdade!
3 – O terceiro acontecimento foi o 19 de Julho de 1987, data em que se realizaram as eleições legislativas provocadas pela queda do primeiro Governo minoritário do PSD de Cavaco Silva após uma moção de censura apresentada pelo PRD ter sido irresponsavelmente aprovada com o apoio do PS e do PCP e assim retirando a maioria parlamentar relativa ao PSD, liderado por Cavaco Silva, e ao CDS de Adriano Moreira que votou contra e em apoio do Governo.
O então Presidente da República Mário Soares rejeitou a proposta apresentada por uma espécie de “geringonça embrionária” para dar posse a um Governo formado pela maioria PS-PRD-PCP, liderada por Vítor Constâncio – que Soares um dia mais tarde confessou, em entrevista, tratar-se de “uma coisa horrível” – e, fazendo uma leitura política correcta daquilo que era a avaliação dos portugueses ao Governo e ao Primeiro-Ministro Cavaco Silva, opta por dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas. O PSD de Cavaco Silva foi absolutamente arrasador ao obter a primeira maioria absoluta da sua história e a primeira maioria absoluta monopartidária da história da democracia portuguesa, ao conseguir mais de 50% dos votos e 148 dos então 250 deputados. Esta vitória estrondosa superou todas as expectativas do partido e do país, trazendo consigo uma nova palavra ao léxico político-partidário: estabilidade política, que se traduziu num fortíssimo sentimento popular de efectivo progresso e consolidação da democracia. Esta data marcou o início de uma era de forte crescimento económico após a entrada de Portugal na CEE em 1986, crescimento esse que não mais se iria verificar no país até aos dias de hoje.
É, pois, justo dizer que o 19 de Julho de 1987 é também o dia que confirma a personalidade de Aníbal António Cavaco Silva e o transforma no estadista e político português de maior sucesso eleitoral de todos os tempos – como mais tarde se pôde comprovar – pelas quatro maiorias absolutas de mais de 50% dos votos dos portugueses em eleições legislativas e presidenciais!
Os três principais intervenientes nestes acontecimentos de 19 de Julho tiveram também uma relação entre si e que, de certa forma, é uma linha condutora da própria democracia portuguesa e dos seus limites intransponíveis que hoje estão claramente em crise profunda, como, igualmente em profunda crise está o Estado Português.
Jurista.
Escreve de acordo com a antiga ortografia.