É mais que sabido que a pandemia gerada pelo novo coronavírus afetou todos os trabalhadores direta ou indiretamente.
Alguns dos mais afetados foram, por exemplo, aqueles ligados ao setor da cultura. Com músicos impossibilitados de fazerem concertos, estúdios de cinema que se viram obrigados a adiar as estreias dos seus filmes…
Este caso vem da Terra do Sol Nascente, o Japão, nomeadamente as gueixas – mulheres japonesas que desempenham o papel de hospedeira e dama de companhia em certas ocasiões da vida social, caracterizadas distintamente pelos trajes e maquilhagem tradicional, como o pó branco na cara e os lábios pintados de vermelho –, que sofreram alterações substanciais na sua forma de trabalhar.
Desmistificar a Gueixa Ao contrário da opinião popular, as gueixas não são um equivalente oriental da prostituta. A palavra gueixa, ou geiko no dialeto de Gion, significa “pessoa das artes” e, tradicionalmente, elas estudavam artes como a dança tradicional, a caligrafia, a poesia, a cerimónia do chá, a conversação ou a música.
No entanto, efetivamente, no passado, estas mulheres por vezes eram usadas como prostitutas. Estes casos observavam-se nas famílias mais pobres, em que por vezes era praticado o kuchi-berachi, que se pode traduzir como “redução de bocas”: as famílias enviavam as suas filhas para uma okiya (casa de gueixas), vendiam-nas para casas de sauna ou outros sítios piores onde seriam escravas sexuais. A maioria ou não voltava a ver as suas famílias ou apenas regressavam para serem reencaminhadas para um marido.
Atualmente continuam a existir hanamachi, bairros onde trabalham e vivem as gueixas. Contudo, assumem um papel de associações que se preocupam com a difusão da cultura japonesa e com a conservação de tradições como a cerimónia do chá ou os espetáculos de música e dança. Em Tóquio existem seis bairros de gueixas: Mukojima, Asakusa, Kagurazaka, Yoshiko, Akasaka e Shimbashi. As gueixas de Tóquio trabalham nos ryôtei, restaurantes de alta-cozinha situados em edifícios de estilo tradicional japonês.
Contudo, com o coronavírus, muitas destas mulheres viram as suas rotinas ficarem de pernas para o ar.
Velhos hábitos difíceis de perder Um artigo publicado na Reuters sobre a regresso à atividade destas mulheres continha os testemunhos de Koiku, uma gueixa de Tóquio, que confessou que durante a quarentena aproveitou para brincar com o seu gato e para pôr em dia as suas leituras, nomeadamente de livros do mestre do manga Osamu Tezuka, e de Mayu, que decidiu adotar este estilo de vida há 20 anos e apenas deseja regressar à sua rotina.
“Às vezes estamos tão ocupadas que vamos para os treinos sem termos sequer dormido, mas esses tempos são muito melhores que estes”, disse Mayu. “Quando temos muito tempo livre, acabamos por não fazer nada”.
O lento regresso à atividade e os meses sem remuneração fizeram com que o número de trabalhadoras nesta área diminuísse. “Antes havia mais de 400 gueixas em Akasaka, tantas que nem conseguia lembrar-me dos nomes, mas os tempos mudaram”, conta Ikuko, uma das “irmãs mais velhas” deste distrito de gueixas, à Reuters, referindo que apenas 20 ainda estão no ativo.
As gueixas perderam um grande número de clientes dado que, com o corte de despesas, muitos clientes optaram por deixar de frequentar estas casas. A afluência diminuiu em 95% e os que continuam a usar os serviços destas mulheres vêm com regras novas. Nada de servir bebidas nos copos dos clientes, nada de toques ou apertos de mão e um distanciamento de dois metros. Apesar de ser sugerido, por vezes, as gueixas não utilizam máscara, pois a sua utilização é complicada pelo uso de perucas elaboradas.
“Quando nos sentamos perto, podemos falar com sentimento e paixão”, explicou Ikuko. “Quando estamos separados por dois metros, a conversa não flui”.
Para combater as dificuldades financeiras, Ikuko diz que a maioria das gueixas se candidataram, como freelancers, a receber subsídios do Estado no montante de cerca de um milhão de ienes (aproximadamente 8100 euros).
Novo normal Uma vez que as salas onde normalmente atuam estão fechadas, algumas das gueixas optaram por realizar as suas performances online.
A AFP descreveu o procedimento do espetáculo de Chacha, uma gueixa de 32 anos, no site “Meet Geisha”, um sistema lançado no ano passado por uma empresa informática japonesa. “Iluminada por potentes holofotes, faz uma dança tradicional movendo-se como uma borboleta e abrindo o seu leque”, escreveram numa peça publicada em junho, enquanto explicam que o público é bastante heterogéneo: “Desde jovens mulheres a beber um copo de vinho a famílias com crianças curiosas”.
Para além de ser uma forma de rendimento, estas sessões online são, para as gueixas, uma forma mais rápida e acessível de chegarem a um novo público, seja conterrâneo ou internacional.