O conceito de Realpolitik tem hoje um significado algo diferente do original, teorizado pelo político alemão Ludwig von Rochau em meados do séc. xix, inspirado sobretudo em Maquiavel.
Na época, Rochau pretendia criar um método, mais do que uma filosofia, para conciliar forças políticas liberais e nacionalistas.
A Realpolitik fez e continua a fazer escola nas relações internacionais, sendo um exemplo clássico, no séc. xx, a estratégia diplomática do secretário de Estado Henry Kissinger no restabelecimento de relações entre a China comunista e os Estados Unidos, que só se formalizaria em 1979, já na administração Carter.
Para Kissinger que, aos 95 anos, continua a defender que a relação entre a China e os EUA “é vital para o mundo”, a Realpolitik é “a política exterior baseada em avaliações de poder e interesse nacional”.
Estamos, portanto, no domínio dos resultados, mesmo que para os atingir seja necessário abandonar os princípios. Na verdade, a Idealpolitik, em que prevaleceriam os ideais nobres, a solidariedade, a promoção dos direitos humanos, o direito sobre a força, a democracia e o primado do indivíduo, não terá passado de uma quimera.
A Realpolitik é, na verdade, a política de poder. Orientada, como vimos, para resultados, não conhece demasiadas regras, visando sobretudo, da forma mais pragmática possível, assegurar os “interesses nacionais”.
É, pois, nesta perspetiva que deve ser analisado o encontro de António Costa com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, cujo Governo se tem caracterizado pela afirmação do autoritarismo populista, com constantes violações de direitos, o que leva muitos observadores a questionarem se a Hungria ainda é uma democracia.
No entanto, apesar das críticas generalizadas dos socialistas europeus, entre outros grupos políticos, ao regime de Orbán, e da ameaça por parte de vários Estados europeus de condicionarem o acesso aos fundos para a retoma da economia ao cumprimento das regras dos Estados de direito, António Costa defende que tais violações devem ser analisadas como previsto nos tratados, salvaguardando, contudo, a possibilidade de acesso aos fundos por parte da Hungria.
De uma forma habilidosa, António Costa afirmou: “Liberdades, democracia e Estado de direito são questões centrais e que devem ser resolvidas nos termos próprios do Tratado, com base no artigo 7.o, porque não se trata de discutir simultaneamente valores e dinheiro. Os valores não se compram. Se há um problema de valores, aí deve ser tratado, como está previsto no artigo 7.o, como uma condicionante à participação na própria União”.
Como moeda de troca, o primeiro-ministro português espera o apoio de Budapeste ao plano europeu de retoma da economia, uma vez que Portugal quer ver o processo concluído rapidamente.
Nesta como em tantas outras questões em que prevalecem os interesses económicos, os olhos fecham-se e os ouvidos tapam-se em relação às ideologias, mesmo que, no caso europeu, elas choquem de frente com os princípios fundadores da União: “Promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus cidadãos e garantir a liberdade, a segurança e a justiça, sem fronteiras internas”.
Jornalista