Caso BES. Acusação a Salgado é só o I capítulo

Caso BES. Acusação a Salgado é só o I capítulo


Advogado dos lesados sublinha que investigações paralelas hão de produzir mais arguidos. Defesa de Ricardo Salgado afasta responsabilidade em relação aos lesados, apontando a responsabilidade ao Banco de Portugal, mas Nuno da Silva Vieira afasta esse cenário.


A novela do caso BES não vai ficar por aqui. Pelo menos, esta é a opinião de Nuno da Silva Vieira, advogado e sócio da Antas da Cunha ECIJA e também advogado da associação dos lesados do BES. “A acusação do Ministério Público demonstra que foi feito um trabalho exaustivo de investigação ao universo Espírito Santo. No entanto, ficamos com a impressão clara de que a investigação não está ainda concluída e que mais arguidos serão acusados noutras investigações paralelas – o comunicado da Procuradoria-Geral da República é claro quando descreve ter havido extração de certidões para outros inquéritos. A bondade desta acusação está, sem dúvida, na capacidade que já teve de alertar o sistema financeiro para determinadas consequências quando se opta por determinados caminhos”, revela ao i.

Esta garantia surge depois da acusação do Ministério Público em relação a Ricardo Salgado e a mais 17 pessoas singulares e outras sete coletivas por serem responsáveis pela queda do Grupo Espírito Santo e por terem causado prejuízos de 11,8 mil milhões. Na lista de crimes estão burla qualificada, branqueamento de capitais, associação criminosa, falsificação de documentos, fraude no comércio internacional e desvio de fundos e corrupção ativa e passiva, que terão causado prejuízos de 11,8 mil milhões de euros.

Em causa, segundo o MP, está o “crime de associação criminosa (relativamente a 12 pessoas singulares e cinco pessoas coletivas) e “crimes de corrupção ativa e passiva no setor privado, de falsificação de documentos, de infidelidade, de manipulação de mercado, de branqueamento e de burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e coletivas”, disse em comunicado.

Passo seguinte Depois da acusação surge a abertura da instrução. De acordo com Nuno da Silva Vieira, esta representa “a derradeira oportunidade que os arguidos têm para contrariar a acusação e consequente julgamento”. No entanto, ao i, garante que não vislumbra “qual a possibilidade e vantagem processual de recurso de uma acusação”, acrescentando que “a única via plausível da defesa seja a abertura da instrução”.

Já em relação às acusações da defesa do ex-banqueiro de que foi um “erro colossal” a resolução do banco, que causou prejuízos inquantificáveis ao país e afasta o cenário de ele ser responsável pelos lesados do BES – atribuindo essa responsabilidade ao Banco de Portugal, alegando que enquanto esteve à frente do banco, os clientes foram reembolsados em 1,5 mil milhões de euros de papel comercial só no 1.o semestre de 2014 –, o advogado diz que “as pessoas dizem aquilo que entendem dizer e cometem os erros que pretendem ou não cometer”. E vai mais longe: “O Banco de Portugal não foi acusado nem praticou os factos relatados na acusação. O Banco de Portugal nada tem que ver com este processo. Quem se considerar lesado do Banco de Portugal não vai certamente ficar satisfeito com este processo. Portanto, são declarações que têm de ser tratadas apenas como isso”, disse ao i.

O certo é que o MP arquivou as queixas contra gestores que venderam papel comercial. De acordo com a acusação, “é forçosa a conclusão indiciária de que ocorreu a instrumentalização da rede comercial do grupo BES para a apresentação de ativos tóxicos a clientes, e que assim foi capturada por um grupo de sujeitos que se congregou para a prática de ilícitos, e cujo sucesso dos seus atos assentava na boa reputação construída com o caráter secreto das várias dimensões dos seus comportamentos criminosos”.

 

Auditoria à vista

Quase seis anos depois de ter sido levada a cabo a resolução do Novo Banco (ver cronologia em baixo), a instituição financeira continua a viver dias atribulados, muito devido à necessidade de novas injeções de capital, o que levou o Governo a pedir uma nova auditoria à Deloitte para fazer a análise aos atos de gestão do BES/Novo Banco referentes ao período entre 2000 e 2018.

Ainda ontem, o ministro de Estado e das Finanças garantiu que a auditoria ao Novo Banco vai estar concluída no final deste mês. “O prazo estabelecido é até ao final deste mês. Portanto, até 31 de julho foi o prazo concedido à entidade que está a fazer a auditoria. Como sabe, houve aqui um atraso de alguns meses por causa do período de confinamento (…) mas depois foi estabelecido o prazo de final do mês para a auditoria”, disse João Leão no Parlamento. Aliás, o primeiro-ministro já tinha apontado esta data como o prazo de conclusão da auditoria.

Quanto à possibilidade de o Estado injetar mais capital no Novo Banco além dos 3,9 mil milhões de euros previstos no mecanismo de capital contingente, João Leão admite que caso, esse cenário se verifique, o Estado ficaria “parcialmente dono” da instituição financeira. No entanto, aponta essa possibilidade como um “cenário extremo, hipotético e futuro”.

Feitas as contas, desde agosto de 2014, data da resolução do Banco Espírito Santo, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já somam 7876 milhões de euros. Deste total, seis mil milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado, dos quais 3900 milhões de euros foram injetados no momento da capitalização do banco (em 2014) e 2100 milhões de euros nas recapitalizações dos últimos três anos (2017, 2018 e 2019) feitas ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Estes empréstimos terão de ser devolvidos pelo Fundo de Resolução ao Estado até 2046, utilizando para isso as suas receitas, que são as contribuições anuais dos bancos (incluindo a Caixa Geral de Depósitos). Em relação à restante verba injetada pelo Fundo de Resolução na instituição financeira, mais de 1200 milhões de euros foram resultado de receitas próprias, ou seja, provenientes das contribuições dos bancos, e 700 milhões de euros de um empréstimo feito em 2014 por vários bancos (o qual está a ser pago pelo fundo).

Recorde-se que o Novo Banco fechou o primeiro trimestre do ano com perdas de 179,1 milhões de euros, o que representa um agravamento de 92,3% face a igual período de 2019. O impacto da pandemia ascendeu a 164 milhões de euros.