Na semana decisiva da reunião do Conselho Europeu, António Costa falará amanhã com os parceiros de esquerda da anterior legislatura para avaliar o Orçamento de 2021, mas também o plano de retoma económica. O plano de António Costa e Silva já está a chegar aos partidos e estes contactos à esquerda podem ser decisivos para se perceber se (ainda) é possível manter acordos e consensos que permitiram a estabilidade política na anterior legislatura.
Mas o processo está numa encruzilhada. E o ambiente é diferente. Desde logo, pela crise pandémica da covid-19. As respostas imediatas à crise já expuseram as dificuldades na relação entre PS, PCP e Bloco de Esquerda.
O PCP votou contra o Orçamento Suplementar, num sinal de que pode ter saltado fora da equação, e este fim de semana, Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, estipulou um caderno de encargos: os direitos, “a regulação do trabalho deve ser a primeira resposta a esta crise”. Na mesa nacional do BE ficou definida qual será a estratégia do partido. “Perante a estratégia restauracionista e de conservação do modelo económico que aproxima PS e PSD, o Bloco proporá um programa de recuperação com objetivos de reconstrução produtiva e transição ambiental com reforço dos serviços públicos e trabalho com direitos”. Mais: a direção do BE fala em “espetro do bloco central, resgatado por recentes acordos formais e informais entre PS e PSD que já impediram avanços maiores nas medidas de auxílio social e que procuram reduzir o espaço do debate democrático, impedir a regionalização com um processo antidemocrático de partidarização da CCDR e limitar a fiscalização da ação do Governo”. Ou seja, as últimas semanas deixaram sinais evidentes de distanciamento.
Catarina Martins ainda foi questionada pelos jornalistas sobre se esperava um processo negocial mais difícil. “Não conheço negociações fáceis. Portanto, não sei fazer a comparação”, respondeu a dirigente.
Ao i, o deputado do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza começa por sublinhar que “cada passo de negociação que agora acontecer tem muita importância para a clarificação das orientações políticas por parte do Governo e do PS”. Mas o BE terá “toda a determinação para negociar” e disponibilidade para ouvir e contrapor medidas. Agora depende também do Governo e do PS. Para José Manuel Pureza, há ainda um dado que pode ser crucial. Há medidas que não podem esperar por setembro, outubro ou novembro. “Nós não precisamos de esperar por setembro para dotar o SNS” de mais recursos “que são absolutamente imprescindíveis para uma resposta robusta” para o inverno, alerta o deputado. Ou é agora “ou, então, já iremos tarde”. E acrescenta que “também não precisamos de esperar por outubro para pôr na lei” as condições de trabalho. Tudo vai depender do Governo. E o parlamentar concluiu: “As preferências do Partido Socialista são as preferências do Partido Socialista. Cada um escolhe o seu caminho, naturalmente”.
Este fim de semana, numa festa de verão (condicionada pela pandemia) na Foz do Arelho, Jerónimo de Sousa voltou a explicar o voto contra do PCP no Orçamento Suplementar: “Quando se decide cortar salários, quando, na repartição de verbas, o grande capital fica com a parte de leão, não esperariam que o PCP se comprometesse com tal opção”. No seu discurso de 11 minutos, o líder comunista avisou que Portugal precisa de “pôr em marcha um verdadeiro programa de desenvolvimento do país”, virado para os serviços públicos, os trabalhadores e a produção nacional. A pandemia, avisou o PCP, não explica tudo. Também o BE apontou na sua análise que “o programa do Governo baseia-se no objetivo de restaurar taxas positivas de crescimento sem tocar no modelo económico. Ora, a preservação do modelo económico é errada e é impossível. É errada porque esse modelo promove desigualdades, precariedade e privilégio rentista”. Dito de outra forma, a fasquia dos parceiros que assinaram acordos ou posições conjuntas em 2015 com o PS está agora mais alta.
Num sinal desse sentimento, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, considerou numa entrevista à Lusa que “o espaço natural de entendimento do Governo é o dos partidos à sua esquerda. São também os partidos ambientalistas”. Mas reconheceu que o cenário da pandemia de covid-19 é “diferente, mudou radicalmente, e todos têm de ter isso em consideração”. Está dado o aviso.