A subalternização do Parlamento


Que Rui Rio não nutre uma especial simpatia pelos trabalhos da Assembleia da República (AR) já todos sabíamos. Agora, que o PS tenha ido a correr apresentar uma iniciativa legislativa nesse sentido é que é de estranhar, tendo em conta que o atual modelo de funcionamento do Parlamento resulta de um processo exemplar dentro do…


A proposta inicial de Rui Rio, prontamente acolhida e transformada em projeto de lei pelo Partido Socialista, de acabar com os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro é, em meu entendimento, contrária aos propósitos que pretende alcançar. Mais, é uma menorização dificilmente reversível na credibilidade de um órgão de soberania que contém em si a legitimidade popular.

Que Rui Rio não nutre uma especial simpatia pelos trabalhos da Assembleia da República (AR) já todos sabíamos. Agora, que o PS tenha ido a correr apresentar uma iniciativa legislativa nesse sentido é que é de estranhar, tendo em conta que o atual modelo de funcionamento do Parlamento resulta de um processo exemplar dentro do próprio parlamento e de iniciativa dos socialistas.

Estaremos todos recordados da arrogância e desvalorização sistemática da AR por parte dos governos de maioria absoluta de Cavaco Silva e estaremos, também, recordados que este modelo de funcionamento resulta de uma proposta de reforma liderada por António José Seguro durante o único Governo de maioria absoluta do PS num exemplar ato de humildade democrática e transparência governativa.

Frequentemente, assiste-se aos lamentos dos políticos pela incompreensão relativa ao trabalho que é feito pelos Deputados na AR, mas numa democracia parlamentar (como a nossa também o é) o papel do Parlamento deve ser central. Apesar da originalidade de termos um poder executivo, também ele legislativo e que se substitui em muitas matérias à atividade do órgão legislador, resta ao Parlamento aquilo que ele também deve ser – o local de discussão acerca dos destinos do país.

Dizer que é uma perda de tempo de trabalho o Primeiro-Ministro ir quinzenalmente ao Parlamento não é mais que inferir que a atividade dos deputados é lazer profissionalizado. Isto é um mau serviço à democracia.

A proposta de Rui Rio esconde na realidade outros ensejos e o PS caiu no engodo, em função da conjuntura. Na realidade o que Rui Rio pretende é ser ele a determinar e controlar em todo o tempo o que diz, quando diz e sobre o que quer dizer, em vez de se sujeitar ao confronto em direto, assim como, retirar algum palco aos pequenos partidos hoje com assento no Parlamento, que fazem dos momentos dos debates quinzenais a sua oportunidade de crescerem à conta do eleitorado do PSD e CDS em debandada para a extrema direita e para os liberais. Trata-se de contenção de danos. Com isso, e na remota hipótese de um dia vier a ser Primeiro-Ministro, já não terá a maçada de ter de prestar contas à AR quinzenalmente.

O Partido Socialista comete um erro de avaliação porque esquece que o poder é conjuntural e se hoje até é útil proteger o Primeiro-Ministro de alguns dislates que dão palco ao populismo e extremismo de direita, no futuro (pois o poder em democracia não é eterno) estes debates quinzenais poderão voltar a ser importantes.

Os democratas devem acolher com agrado o facto de o Governo ter de prestar contas regularmente no Parlamento. Se entendem que o formato não é o ideal que se altere a forma de debate, ou simplesmente que elevem o nível do debate que fazem na Assembleia da República.

Pedro Vaz