Entreter é um desporto nacional. Para manter os pequenos poderes, desviar as atenções da realidade ou não ter de fazer, é preciso entreter, mantê-los ocupados, distraídos ou amedrontados. Não faz quem devia fazer, não reage quem devia reagir, num quadro que é adensado pelo ambiente gerado pela pandemia, em que as inseguranças, as incertezas e a imprevisibilidade assumem novas centralidades.
Portugal está na encruzilhada da perceção, do puro entretenimento, quiçá desnorte, perante a incapacidade para responder às questões estruturais e às dúvidas, algumas normais, perante a pandemia e as suas consequências. Com a organização e a agilidade de que dispomos, haverá muitos que estão a fazer o melhor que sabem, mas um dos problemas mais críticos é a capacidade de fazer o que é preciso em tempo útil o que é preciso, de monitorizar e de resolver. Não é um problema de agora, está presente no quotidiano corrente e ainda mais na emergência atual, manifestando-se do lado do Estado, dos cidadãos e das comunidades. Se no dia-a-dia a maioria tenta contornar, por que razão cumpririam agora à risca? Se os serviços, estruturas e infraestruturas não têm modelos e rotinas de integração, como é que podem agir com eficácia, quando o tempo conta? E até pode haver planos, mas sem meios e sem rotinas de convergência que superem os pequenos poderes, os egos e os condomínios, o exercício é sempre poucochinho. Há gente com responsabilidades sem competência para fazer e é o no fazer que está o problema. Enquanto a malha grossa do confinamento vigorou, a debilidade estava disfarçada. O problema é quando se entra na malha fina da intervenção, da monitorização e da afirmação de respostas eficazes para suster os contágios a partir do momento da deteção.
O nosso problema é fazer. É ser claro na definição das opções, na comunicação das respostas e no desenvolvimento do esforço de concretização. Quantos calvários burocráticos são percorridos na concretização de projetos com fundos comunitários para superar os entraves à execução real, quantos obstáculos têm de ser removidos nos serviços para que se concretizem respostas para as pessoas e para os territórios e quantos gravitam na ardilosa arte de bloquear a materialização. É preciso acordar e reagir. De que vale entreter o Povo com um plano de um consultor que compila um conjunto de linhas estratégicas há muito pensadas, sem rasgo, sem rutura ousem inversão de tendências negativas da coesão social e territorial, se o problema é fazer?
De que valem uns anúncios, se as opções, até resultantes do quadro parlamentar, que tem dias, tenderá a ser pelos que estão no sistema ou integram nichos eleitorais dos partidos negociantes, com derivas proibicionistas e intolerantes contrárias à matriz do Partido Socialista.
De que valerão ter alguns milhões de Bruxelas para responder aos impactos da pandemia, se mantivermos a abrasiva incapacidade de concretizar em tempo útil os projetos, na senda do que se passa com os fundos comunitários e com tantos outros impulsos anunciados, mas não concretizados. Como será concretizado o “compromisso de que no início do próximo ano letivo, aconteça o que acontecer, teremos assegurado a universalidade do acesso em plataforma digital, rede e equipamento, para todos os alunos do básico e do secundário”, anunciado a 9 de abril? Ficará na mesma gaveta de realidade das questões das florestas, dos incêndios rurais e da valorização do Interior?
É preciso que os cidadãos acordem, reforcem o escrutínio e exijam capacidade de ação integrada, sustentada e eficaz. Na falta de consciência própria no exercício político, de complacência de facto dos poderes de balanço (Presidência e Oposição) e de fragilidade dos deveres de informação dos media, precisamos de mais e melhor cidadania, escrutínio e eficácia. Os sinais inversos estão aí, desde acabarem com os debates quinzenais no Parlamento a aumentarem o número de assinaturas necessárias para que as petições sejam debatidas em plenário, passando pelo crescente arbítrio e falta de critério nas opções políticas nos vários patamares do poder. Das ruas pintadas de supetão em Lisboa à suspensão das reuniões no Infarmed. Há padrão de comportamento que conta com a complacência dos partidos e dos cidadãos. Quando acordarem será tarde. Já estarão com a zaragatoa na narina, infetados por um vírus qualquer. Se não for covid-19 por descontrolo da situação, será por falta de uma Democracia sem desvios preocupantes, em que as oposições, por gritaria ou anestesia, são parte do problema.
Este é o tempo de fazer, não de ir fazendo, na esperança de que a narrativa ou a complacência façam o resto. Não há habilidade ou habilidoso que consiga mascarar durante o tempo todo a realidade. Não no tempo digital. Noutro tempo talvez. Acordai!
NOTAS FINAIS
ZARAGATOA // A TAP, em linha com o Novo Banco, será uma zaragatoa para os contribuintes. Esta intervenção aérea terá motivado uma súbita vontade de descolagens. Parece que o Presidente quis descolar do Governo com o fim ou alegado fim das reuniões do Infarmed. PSD, PCP e PCP passam os dias em aterragens e descolagens na pista do Governo. Enfim, vislumbram-se os comportamentos, são visíveis os sintomas, mais tarde ou mais cedo haverá despistagem com zaragatoa.
REAGENTE // A malha fina do combate à pandemia, para além do cansaço e exaustão dos profissionais, faz emergir a decomposição do estado dos serviços públicos intervenientes. São muitos anos de passivos acumulados que não foram invertidos com método e sentido de futuro nos últimos quatro anos por quem apoiou a solução governativa. As opções foram outras. Foi mais satisfazer do que habilitar para fazer e fazer com foco e eficácia.
PLACEBO // No Benfica a época futebolística termina sem glória. Há património, há sustentabilidade financeira e há ambição para fazer mais e melhor. Há tudo isso contruído nestes anos e há placebos, uns sem condição de serem medicamentos porque nem reúnem as condições estatutárias para serem candidatos e outros que se propõem fazer o que nunca quiseram fazer quando tiveram oportunidade. Como não ganhámos, surgirão legítimos placebos, nunca serão medicamento para a cura, mas o importante é desencadear reações psicológicas nos sócios. E pelo meio os placebos vendem jornais e dão audiências.
Escreve à segunda-feira