Como fiz há pouco 64 anos, estou a atingir aquilo a que se chama fim da “idade ativa,” que vai convencionalmente dos 15 aos 64 anos. Vá lá a gente perceber as convenções: se por ativo se entende apto para desenvolver uma atividade económica, aos 15 anos parece-me muito cedo para entrar e aos 64 muito cedo para sair. Estou, portanto, a chegar àquela a que convencionalmente se chama “idade idosa” ou “terceira idade”. Comecei, por isso, a interessar-me mais pela questão do envelhecimento.
É uma velha questão, sobre a qual há um renovado interesse, até pela simples razão de a Europa, em geral, e Portugal, em especial, terem populações cada vez mais envelhecidas. A proporção do número de idosos (65 ou mais anos) para o número de jovens (dos 0 aos 14) está a crescer, transformando a tradicional pirâmide etária numa garrafa bojuda. Em Portugal, esse fenómeno é particularmente nítido devido, por um lado, à baixa taxa de natalidade (uma das mais baixas da Europa, pois cada portuguesa em idade fértil só tem 1,4 filhos) e, por outro lado, à melhoria das condições de nutrição e saúde, que tem permitido estender a esperança de vida. Entre as várias medidas para determinar a longevidade, os demógrafos usam a esperança de vida aos 65 anos. Por ter interesse direto, procurei na Pordata qual era o número em Portugal: em 2017, essa esperança de vida era de 20,4 anos para a população em geral (18,3 para os homens, o número que mais me interessa, e 22,1 anos para as mulheres). Esse valor contrasta fortemente com os 13,6 anos registado em 1960. Comparando com o resto da Europa, estamos um pouco acima da média europeia, que é de 19,9 anos, não longe dos campeões europeus de longevidade, que estão no Mediterrâneo: França, com 21,7 anos, Espanha, com 21,5, e Itália, com 20,9.
A Pordata deve muito à demógrafa Maria João Valente Rosa, que a dirigiu durante dez anos desde a sua fundação, em 2009. Pois a Maria João – declaração de interesses: sou amigo dela – publicou recentemente, na Tinta da China, um livro sobre o envelhecimento: Um Tempo Sem Idades. Ensaio sobre o envelhecimento da população. Teve azar, pois no dia em que o livro ia ser lançado começaram as medidas de recolhimento por causa da pandemia, a qual, como é sabido, tem incidência especialmente grave nos idosos. O livro, que é bilingue (português-inglês), lê-se muito bem, devido não só à sua curta dimensão e à organização em tópicos de uma só página, mas também, e sobretudo, à clareza de exposição da autora que, conhecedora do assunto, faz uma excelente síntese.
A Maria João, nascida em 1961 e, portanto, em idade ativa, é doutorada em Sociologia – especialidade em Demografia – pela Universidade Nova de Lisboa, sendo professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas dessa escola. Consultando o catálogo da Biblioteca Nacional, fiquei a saber que Um Tempo Sem Idades é o 14.o título da autora. Os seus best-sellers foram os ensaios que escreveu para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, a instituição da Pordata: Portugal: os Números (2010) e Portugal e a Europa: os Números (2013), os dois em colaboração com o jornalista Paulo Chitas, e O Envelhecimento da População Portuguesa (2012), a solo. Deixo aqui uma palavra de apreço pela coleção de ensaios da fundação, bem dirigida por António Araújo, que já ultrapassou os cem títulos, nalguns casos com tiragens invulgares entre nós. Merecem também destaque os livros A População Portuguesa no Século xx: Análise dos Censos de 1900 a 2001 (2003), com Cláudia Vieira, na Imprensa de Ciências Sociais, e Os Reformados e os Tempos Livres (2015), na Bnomics.
Aprende-se muito no novo livro. São bastante informativos os factos expostos na introdução e no primeiro capítulo, “Pontos de partida”. Eu já sabia que Galileu e Newton tinham morrido velhos, com 77 e 84 anos, respetivamente, mas não sabia que D. Afonso Henriques tinha morrido com 76 anos, decerto um recorde para a época (a idade média na Idade Média andava à volta dos 30 anos). Não está no livro, mas basta ir à Wikipédia para saber que a francesa Jeanne Calment foi a pessoa mas velha de sempre, pois faleceu em 1997 com 122 anos. A única portuguesa que chegou a “decana da Humanidade” foi Maria de Jesus, de Ourém, que morreu em 2009 com mais de 115 anos. E, puxando a brasa à sardinha de Coimbra, a pessoa mais longeva que estudou na Universidade de Coimbra foi a licenciada em Físico-Químicas Maria Virgínia Ferreira de Almeida, que morreu em 2010 com 111 anos. Fiquei também a saber pelo livro em apreço que as pessoas idosas perfaziam, em 2018, 22% do total de residentes em Portugal, o dobro do que era 50 anos antes. E que, em 2017, Portugal ocupava o quarto lugar na lista dos países mais envelhecidos no mundo, encabeçada pelo Japão. A esperança de vida aos 65 anos continua a aumentar, isto é, os que os vão fazer depois de mim ainda viverão mais anos. As previsões dizem que, em 2050, ocuparemos a terceira posição mundial: quase metade da população lusa será, como agora se diz, sénior. O facto de o rácio de pessoas idosas para pessoas em idade ativa estar a subir coloca o sério problema da sustentabilidade da Segurança Social. Para contrariar a atual tendência seria preciso abrir a porta a imigrantes, mas tal abertura dificilmente chegaria para travar de modo significativo o processo de envelhecimento em curso.
Segue-se o capítulo “Cinco temas em reflexão”. Uma das teses da autora, com a qual não hesito em concordar, é que a idade cronológica é muito discutível pois pode nem corresponder à idade biológica (há pessoas mais bem conservadas) nem à idade psicológica (há jovens de todas as idades). Que se chame idoso a alguém com mais de 64 anos não se compreende nos dias de hoje. A reforma compulsiva na função pública aos 70 anos é uma lei de há cerca de 100 anos, quando a esperança de vida aos 65 anos era muito menor do que agora! Só para dar uma ideia da nossa evolução demográfica, se atendermos à esperança de vida, os 65 anos de 1960 correspondem aos 73 anos de hoje. A autora propõe um novo índice para indicar o envelhecimento: se se mudassem os limiares de idoso para os 72 anos e de idade ativa para os 24 anos, o número de idosos passaria a ser inferior ao de jovens; rejuvenesceríamos, sendo os mesmos…
A idade não devia ser um rótulo. A Maria João insurge-se contra o “idadismo”, a discriminação baseada na idade. A Constituição proíbe a discriminação pelo género ou religião, mas não menciona a idade. E todos sabemos que, na prática, os idosos são preteridos pelos empregadores (só no cinema pode um idoso ser estagiário de uma executiva…). Não há, de facto, qualquer razão para uma interrupção abrupta do trabalho quando se faz 70 anos. A desvalorização dos idosos tem a ver com a sua suposta incapacidade laboral, mas muito deles conservam as suas capacidades mentais. A sua grande experiência de vida podia ser mais bem aproveitada, embora não necessariamente nas mesmas funções.
A autora diz que é necessária uma reflexão sobre o trabalho e o lazer. Sendo importante na nossa vida, o trabalho poderia, qualquer que fosse a idade, ser mais equilibrado pelo lazer: poderia haver mais lazer na “idade ativa” e mais trabalho na “idade inativa”. Sobre a questão do pagamento das pensões de reforma, Maria João dá algumas dicas: por exemplo, o prolongamento da atividade laboral por quem o desejasse, continuando contribuinte para a Segurança Social, melhoraria as contas. Curiosamente, em média, em Portugal, as reformas ocorrem antes da idade obrigatória (eu próprio já me vejo a pensar nisso, dado que o meu empregador apenas quer que eu repita o que já fazia há 20 anos). O livro discute também a necessidade de formação ao longo da vida, deixando de a limitar à idade jovem: não é verdade que burro velho não aprenda línguas, demora é mais tempo a aprendê-las. E trata a questão das enfermidades que tendem a ensombrar os idosos: Dinamarca e Portugal têm semelhantes esperanças de vida aos 65 anos, mas os dinamarqueses vivem mais tempo sem doenças.
Um Tempo Sem Idades termina com uma súmula e ideias prospetivas, no capítulo “Envelhecimento: um princípio com futuro”. Talvez possa sumariar dizendo que, sendo o envelhecimento uma lei da vida, a idade não devia constituir um estigma. O facto de haver mais tempo de vida para todos não deve ser considerado como um peso social (“peste grisalha,” escreveu um dia um deputado no i), mas sim como a possibilidade de cada um contribuir mais para a comunidade. Para isso, conclui a autora, “faz sentido remover as barreiras à organização do ciclo de vida, assim como todos os preconceitos relacionados com a idade”.