O homem é capaz de amor.
O amor é primordial, é adaptável e é eterno. Há de durar enquanto existirmos e a sua singularidade não permite observação pela lupa da ciência, dispensa considerações académicas e escapa ao verso mais poético.
Hoje, mais do que nunca, podemos alcançar muitos lugares num curto espaço de tempo. Corremos de um lado para o outro e cruzamo-nos com muita gente – tão acompanhados e tão sós… A realidade da pandemia pode ter significado menos encontros pessoais e, por conseguinte, ter resultado em menos tempo desperdiçado em falsos relacionamentos. O período prolongado de namoro online pode resultar em conversas mais sinceras e significativas, mais cedo do que seria de esperar, e chegou a afetar um excesso de solteiros sexualmente frustrados que, num futuro próximo, talvez venham a inclinar-se menos a relacionar-se na cama com parceiros em potência.
Defende o historiador e professor João Alves Dias que a diferença entre o passado e o presente consiste no facto de estarmos a viver na Idade Global e não na Antiguidade, nem na Idade Média, nem na Idade Moderna, nem na Idade Contemporânea – Idade Global em que quase tudo se espalha a toda a humanidade num espaço de 24 horas, em que a comunicação real demora menos de um minuto para dar a volta ao globo terrestre. Só na velocidade do conhecimento e da transmissão esta pandemia é diferente de qualquer uma das anteriores pois, hoje tal como ontem, temos economias destruídas e perturbações no quotidiano. A todas as pandemias o homem sobrevive e de quase todas se vai esquecendo.
Pode parecer irónico falar de esquecimento quando estamos a viver na primeira pessoa, conscientes de que, possivelmente, ainda não passou a pior parte.
A pandemia, sendo uma porta para a mudança, não é um ponto de viragem radical, e exemplo disso foi o infeliz aumento da violência. Nos lares onde deveria imperar o amor houve espaço para a contradição. Contradição que se estende de casa em casa, de rua em rua, de cidade em cidade. A humanidade pode estar à beira da extinção, mas parece que ninguém deu por isso. A preocupação é a economia, o dinheiro. A ordem é: consumir!
Temos mais liberdade, melhores condições de vida, mais oportunidades a todos os níveis mas, em troca, pedem-nos para consumir. Tornámo-nos escravos do dinheiro, obcecados, doentes. Sim, estamos doentes e, ainda por cima, não aceitamos o remédio. Sabemos onde residem as células malignas que nos matam, mas não estamos dispostos a sofrer para as arrancar, pelo contrário, deixamo-nos levar pelo sofrimento, não dando espaço ao amor. E sim, é de amor que devemos falar. Daquele amor que não escolhe sexos, mas pessoas. Aquele amor que tudo suporta e tudo supera. A nossa natureza animal não nos conduz a uma vida isolada e fechada sobre si, mas antes a uma experiência de comunidade. Neste ponto, o amor estende-se ao próximo na forma de caridade, solidariedade ou, em última análise, de fraternidade.
Professor e investigador