1. O crescimento da pandemia de covid-19 nas zonas mais pobres da Grande Lisboa era expetável, como aqui se disse. As condições sociais degradadas em várias zonas, o amontoar de pessoas nos transportes e a ausência de medidas profiláticas por parte do Governo tornavam óbvia essa situação. A circunstância de uma das primeiras vítimas mortais ter sido um banqueiro que tinha ido esquiar deu, inicialmente, a sensação errada de que os mais ricos e viajados poderiam ser os mais expostos quando eram apenas os que primeiro tiveram contacto com a doença. Agora é o contrário. Tende-se a segregar ainda mais os que menos têm por estarem mais expostos ao risco. É somar segregação à que existe. Há grupos sociais que estão mais expostos. Mas desengane-se quem achar que o vírus é seletivo. Todos têm de se proteger. E, sobretudo, todos têm o mesmo direito a ser protegidos, e isso não aconteceu neste Portugal desigual. Todos têm também o direito de saber o que se passa nas reuniões de peritos e políticos que decorrem regularmente no Infarmed. Ou são sigilosas e não há relatos e fugas de informação, ou passam a ser públicas. Esta miscelânea a que temos assistido, com versões dadas por fontes ou participantes políticos não especializados, constitui um mau serviço ao direito a informar e ser informado, mais a mais sobre uma questão como uma pandemia planetária e altamente letal. O passar de culpas a que se está a assistir da política para os técnicos é lamentável, demagógica e injusta. Fernando Medina tentou desresponsabilizar a governação socialista e mandar para cima da DGS e dos hospitais tudo o que está a correr mal. É uma atitude deplorável para salvar a pele. Antes, já Rui Rio tinha feito declarações no mesmo sentido. Deixou-se levar pela estratégia mediática de desresponsabilização, o que é estranho para quem não aprecia a comunicação social.
2. Ultimamente têm-se multiplicado situações de antagonismo entre o Porto e a sua área de influência e Lisboa. Não se trata de um problema norte-sul, mas antes de uma disputa entre os dois maiores polos populacionais que certos políticos exploram. O tom foi subindo por causa da TAP, porque os dirigentes do Porto, e não só, se acham discriminados. No caso concreto, tinham razão na substância, mesmo que as causas para a operação ser feita a partir de Lisboa tivessem fundamentalmente a ver com questões financeiras. O facto é que quase tudo é pretexto para conflituar entre o Porto e Lisboa, como se não bastasse o futebol. Um vice-presidente do PSD, Salvador Malheiro, apelou implicitamente a um cerco à capital como aconteceu a Ovar, a que preside. Esqueceu-se da dimensão de Lisboa e Vale do Tejo, que tem sensivelmente três milhões e meio de pessoas, as quais produzem mais riqueza do que qualquer outra parte do território. E, sobretudo, esqueceu-se que o isolamento de Ovar se deveu também ao facto de ele próprio ter deixado as pessoas lá da terra e arredores brincarem ao Carnaval quando muitas cidades na Europa já estavam a impor restrições. Muitas destas picardias têm a ver com um novo despertar regionalista. Convém, por isso, recordar que os portugueses já disseram em referendo que não querem um país regionalizado. O próprio Presidente da República é contra. Descentralizar, sim. Regionalizar, não. Existe classe política que baste. Engrossar mais um contingente partidário que vem de todos os pontos do país é tornar ainda mais complexa uma máquina estatal que é um monstro inoperacional. A esse propósito, é importante estar atento ao que se vai passar com as alterações previstas na escolha dos membros das CCDR, as comissões regionais, cujos membros vão passar a ser nomeados de forma mais descentralizada e com intervenção decisiva do poder local.
3. Admitir que o ano escolar possa abrir até 17 de setembro e somar a isso a circunstância de as aulas já terem terminado, quando a maioria dos alunos do ensino público se limitou a receber exercícios, é alarmante. No ensino oficial não houve mobilização dos professores, antes pelo contrário. O Governo não teve sequer a coragem de alongar o ano, nem de antecipar o recomeço. Os alunos e os pais vão pagar isso mais adiante com uma fatura pesada. Não admira que o fosso entre privados e públicos se alargue cada vez mais. Mário Nogueira anda nas suas sete quintas e continua a reclamar como se a classe se tivesse mobilizado em massa. Agora são quase três meses de pousio. Se, lá para o outubro, a pandemia se mantiver ou agravar, a situação de abandono pode repetir-se. Estão por definir planos claros para cada situação possível. Bem podem estar inscritos muitos milhões para a informatização e a telemática nas verbas que supostamente vamos receber da União Europeia. Quando muito, isso permitirá melhorias pontuais e umas belas negociatas. Difícil mesmo é mudar as atitudes e as mentalidades.
4. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), arquivou o processo contra Maria Flor Pedroso por alegadamente ter interferido no programa Sexta às 9, facto que a levou a demitir-se da direção de informação da RTP, depois de uma campanha difamatória. A ERC aproveitou a ilibação para pedir à RTP que promova a clarificação interna da linha hierárquica dos programas de jornalismo de investigação. Palavras sábias, estas do regulador. A televisão pública tem milhares de instrumentos, mas não tem sequer um livro de estilo. Quanto a Flor Pedroso, a sua qualidade profissional sempre foi de excelência tanto como jornalista e repórter como no exercício de funções de chefia. Há uma grande diferença entre liberdade de investigar e anarquia informativa. O jornalismo é uma profissão de liberdade, mas hierarquizada. Até por respeito pelo contraditório, de forma a evitar que se fique muitas vezes por verdadeiras difamações que destroem vidas e reputações (veja-se a montanha que pariu um rato no caso dos vistos gold), na sequência de conluios mediático-judiciais. Maria Flor Pedroso está agora nas ondas da Antena 1 com um programa diário, o Bloco de Notas, e um semanal, o Geometria Variável. A não perder!
Escreve à quarta-feira