Carl Reiner. Um comediante que fez as vezes de maestro para toda uma geração

Carl Reiner. Um comediante que fez as vezes de maestro para toda uma geração


Morreu aos 98 anos, de causas naturais, o argumentista, realizador e actor que criou a sitcom “The Dick Van Dyke Show” e foi o parceiro que ajudou a lançar dois monstros da comédia: Mel Brooks e Steve Martin.


“Todas as manhãs, vou buscar o jornal, abro na secção de obituários, e vejo se estou entre os mortos. Se não estou, então tomo o pequeno-almoço.” Com graça e garbo até ao fim, foi com esta piada que Carl Reiner segurou o volante numa dessas caravanas que se compra num último impulso, já na terceira idade, suplicando à estrada aberta e ao destino mais alguns tresvarios e aventuras, como quem só tem tempo para o tempo de revelação de uma polaroide. O documentário da HBO contava com uma série de caras mais e menos conhecidas, pessoas que continuaram a gozar a vida e a ter sucesso depois dos 90 anos de idade. “Depois dos 90, as pessoas já não se reformam, simplesmente inspiram” – era esta um dos bordões do filme. E o título ficou com a piada de Reiner: “If You’re Not in the Obit, Eat Breakfast”.

Reiner era um pouco isto: o grande promotor das fotografias de grupo, que punha o temporizador e encontrava um lugar discreto antes da máquina dar o disparo. Era uma espécie de maestro geracional. Um comediante que, mais do que tapar buracos, era capaz de pôr a coisa a andar. Além de actor, este argumentista e realizador, disse que as suas vocações nasceram da sua disposição para dar uma ajuda, pôr o bedelho na sala de escritores dos programas de comédia em que se foi envolvendo. “Eu tornei-me um argumentista por causa dessa sala”, disse numa entrevista à NPR. “Eu aparecia com alguma ideia e alguém gritava: ‘Mas o que é que tu sabes? Tu não és argumentista’. Portanto, tornei-me um.” Avaliando o seu percurso, Reiner era tudo menos enfático: “Eu era o actor que faz de realizador. Era o actor que faz de produtor. Eu sentei-me em frente à máquina de escrever e representei o papel do romancista.”

O certo é que esta segunda-feira, ao morrer de causas naturais na sua vivenda em Beverly Hills, Carl Reiner deixou que o dia seguinte amanhecesse e um pouco por todo o mundo as páginas dos obituários dessem a notícia da morte de uma lenda da comédia, um homem que começou a actuar ainda na década de 1940, integrando uma unidade de entretenimento do exército que viajava com a missão de levantar o moral das tropas durante a Segunda Guerra Mundial, e que, depois de ser dispensado, iniciou uma carreira que se prolongou pelas sete décadas seguintes, tendo criado “The Dick Van Dyke Show”, que foi emitido entre 1961 e até 1966, e que conquistou um total de 15 Emmys, 5 deles para Reiner, como argumentista e produtor, sendo considerada uma das melhores sitcoms de sempre. Além disso escreveu o argumento e realizou filmes, encenou peças na Broadway, publicou romances e livros de memórias, além de livros para a infância. E foi o parceiro de dois monstros da comédia norte-americana: Mel Brooks e Steve Martin. E mesmo se, nas últimas décadas, deixou de ser o motor de grandes produções, sempre encarou a reforma como uma forma de abdicar da vida, e, por isso, manteve-se ocupado, e foi tendo pequenos papéis tanto em séries televisivas como no cinema, nomeadamente ao integrar o elenco de luxo da saga “Ocean’s Eleven”, de Steven Soderbergh.