“Todas as manhãs, vou buscar o jornal, abro na secção de obituários, e vejo se estou entre os mortos. Se não estou, então tomo o pequeno-almoço.” Com graça e garbo até ao fim, foi com esta piada que Carl Reiner segurou o volante numa dessas caravanas que se compra num último impulso, já na terceira idade, suplicando à estrada aberta e ao destino mais alguns tresvarios e aventuras, como quem só tem tempo para o tempo de revelação de uma polaroide. O documentário da HBO contava com uma série de caras mais e menos conhecidas, pessoas que continuaram a gozar a vida e a ter sucesso depois dos 90 anos de idade. “Depois dos 90, as pessoas já não se reformam, simplesmente inspiram” – era esta um dos bordões do filme. E o título ficou com a piada de Reiner: “If You’re Not in the Obit, Eat Breakfast”.
Reiner era um pouco isto: o grande promotor das fotografias de grupo, que punha o temporizador e encontrava um lugar discreto antes da máquina dar o disparo. Era uma espécie de maestro geracional. Um comediante que, mais do que tapar buracos, era capaz de pôr a coisa a andar. Além de actor, este argumentista e realizador, disse que as suas vocações nasceram da sua disposição para dar uma ajuda, pôr o bedelho na sala de escritores dos programas de comédia em que se foi envolvendo. “Eu tornei-me um argumentista por causa dessa sala”, disse numa entrevista à NPR. “Eu aparecia com alguma ideia e alguém gritava: ‘Mas o que é que tu sabes? Tu não és argumentista’. Portanto, tornei-me um.” Avaliando o seu percurso, Reiner era tudo menos enfático: “Eu era o actor que faz de realizador. Era o actor que faz de produtor. Eu sentei-me em frente à máquina de escrever e representei o papel do romancista.”
O certo é que esta segunda-feira, ao morrer de causas naturais na sua vivenda em Beverly Hills, Carl Reiner deixou que o dia seguinte amanhecesse e um pouco por todo o mundo as páginas dos obituários dessem a notícia da morte de uma lenda da comédia, um homem que começou a actuar ainda na década de 1940, integrando uma unidade de entretenimento do exército que viajava com a missão de levantar o moral das tropas durante a Segunda Guerra Mundial, e que, depois de ser dispensado, iniciou uma carreira que se prolongou pelas sete décadas seguintes, tendo criado “The Dick Van Dyke Show”, que foi emitido entre 1961 e até 1966, e que conquistou um total de 15 Emmys, 5 deles para Reiner, como argumentista e produtor, sendo considerada uma das melhores sitcoms de sempre. Além disso escreveu o argumento e realizou filmes, encenou peças na Broadway, publicou romances e livros de memórias, além de livros para a infância. E foi o parceiro de dois monstros da comédia norte-americana: Mel Brooks e Steve Martin. E mesmo se, nas últimas décadas, deixou de ser o motor de grandes produções, sempre encarou a reforma como uma forma de abdicar da vida, e, por isso, manteve-se ocupado, e foi tendo pequenos papéis tanto em séries televisivas como no cinema, nomeadamente ao integrar o elenco de luxo da saga “Ocean’s Eleven”, de Steven Soderbergh.