Restaurantes. Caos instalado à volta  do horário de fecho

Restaurantes. Caos instalado à volta do horário de fecho


Polícia tem obrigado estabelecimentos a fechar às 23h, independentemente do seu horário de licença. Ao i, Ana Jacinto garante que restaurantes podem continuar a servir desde que tenham licença para lá dessa hora e que esses encerramentos devem-se ao desconhecimento da lei. Confusão também está instalada nas esplanadas, take-aways e drive-ins.


Os restaurantes que tenham licença depois das 23 horas podem continuar a funcionar desde que os clientes tenham entrado no espaço até essa hora. A garantia é dada ao i pela secretária-geral da Ahresp ao admitir que se tem assistido a “grandes confusões” nas últimas semanas, com a PSP a obrigar os proprietários a fecharem os seus estabelecimentos, independentemente da hora da sua licença. “A polícia tem feito tábua rasa de todos os restaurantes e têm surgido várias queixas de proprietários de restaurantes que, apesar de terem licença para continuarem a funcionar após as 23 horas, são obrigados a fechar portas a essa hora. Isso é resultado da pouca clareza com que têm saído as resoluções e as respetivas concretizações das mesmas. O que está em causa é a entrada e a partir das 23 horas não podem entrar mais clientes, mas aqueles que estão lá dentro podem acabar as refeições sem limite de hora, ou seja, até à hora que o estabelecimento tem para se manter em atividade”, diz Ana Jacinto.

No entanto, deixa um alerta: esses estabelecimentos podem continuar a funcionar desde que não se transformem em bares, que ainda não estão autorizados a abrir (ver página 4). “A Ahresp tem sido confrontada com situações em que os estabelecimentos e esplanadas da Área Metropolitana de Lisboa são mandados encerrar pelas forças de segurança, por desconhecimento da lei ou por erradas interpretações sobre a mesma”, garante.

Uma opinião partilhada por João Teixeira, sócio da área de contencioso da Antas da Cunha ECIJA ao admitir que os diplomas são de análise complexa e entra-se numa zona escura que exige bom senso. “O que a resolução do conselho de ministros diz é que a partir das 23h não podem ser admitidos novos clientes, mas os que estão dentro dos restaurantes podem naturalmente terminar a sua refeição. A regra é apenas esta. Os proprietários não vão fechar depois às 2h ou 3h da manhã. O que é normal que aconteça é que a partir da meia-noite, com mais ou menos margem, os espaços fechem. Se vamos endurecer e olhar para estas normas sem bom senso, quem é que vai a um restaurante? E quem não pode jantar antes das 22h30 ou 22h45? É estarmos a aplicar uma lei de uma forma cega, prejudicando a economia”, refere o advogado ao i, acrescentando que “os clientes devem ter um prazo razoável para terminar a sua refeição, fazer o pagamento com alguma tranquilidade. Diria que temos um leque de 1h ou 1h30 para que isso se concretize no máximo”.

João Teixeira diz que esta clarificação é agora mais urgente, uma vez que já entrou em vigor o regime contraordenacional e a polícia pode encerrar provisoriamente um espaço. “Do ponto de vista do impacto que isso pode ter junto do empresário é terrível”.

O i sabe que esta tem sido uma prática recorrente principalmente em Lisboa, com a polícia a apertar o cerco aos restaurantes sem ter em conta a hora da sua licença e a distribuir folhetos de informação que, segundo a associação do setor, não são esclarecedores (ver coluna ao lado).

Face a este cenário, a Ahresp já pediu ao Ministério da Economia um esclarecimento em relação a esta situação e teve a seguinte resposta. “O encerramento do estabelecimento às 23 horas significa que não se pode admitir quaisquer novos clientes após essa hora, admitindo-se, no entanto, que o estabelecimento possa funcionar até que o serviço prestado aos clientes que entraram até às 23h termine”, explica a associação.

Ana Jacinto garante que, neste momento, tem de existir “bom senso, formação e melhor clareza” das regras para evitar este tipo de situações.

 

Outras incoerências

A tarefa não é mais simples no caso dos take-away, entregas ao domicílio e drive-ins. Também aqui, de acordo com a responsável, existe “uma enorme confusão e têm sido cada vez mais frequentes situações em que a polícia obriga ao encerramento destes espaços a partir das 20h. Para a Ahresp, não há dúvidas: “Os estabelecimentos de restauração podem funcionar nas modalidades de take-away, entregas ao domicílio e drive-in sem estarem sujeitos ao limite horário das 23 horas, uma vez que este limite se aplica exclusivamente a novas admissões para consumo no próprio estabelecimento”.

O mesmo cenário repete-se nas esplanadas. E, mais uma vez, Ana Jacinto diz que o caos está instalado. “Chegaram-nos queixas de que, na sexta-feira, muitos restaurantes com esplanada foram obrigados pela polícia a fechar às 20h porque estavam a servir bebidas alcoólicas, mas essas bebidas estavam a ser servidas no âmbito de uma refeição. Não faz sentido”, refere ao i. E volta a lembrar: “São proibidas as vendas de bebidas alcoólicas, mas desde que sejam vendidas sozinhas. Se forem acompanhadas por refeição, não podem ser proibidas”.

A confusão ganha maiores contornos quando se trata de pastelarias e de snack-bars que servem refeições mas, como não têm CAE de restauração (código que enquadra a atividade económica das empresas), não podem funcionar além das 20h. “Andámos a incentivar os proprietários a terem esplanadas, a incentivar os proprietários a negociarem com as câmaras esses espaços porque é considerado mais seguro as pessoas estarem na rua em vez de estarem em locais fechados. Muitos fizeram esses investimentos, mas agora dizem que é preciso fecharem às 20h. Os proprietários ficam totalmente desorientados e isso é caótico para quem tem um negócio”, acrescenta ao i.

Para a associação do setor, não há dúvidas: “Um estabelecimento que tenha como CAE secundária uma atividade que possa funcionar e que se distinga claramente de uma atividade obrigada a encerrar como, por exemplo, um restaurante de tipo tradicional e bar pode abrir a parte do restaurante tradicional para servir refeições. O mesmo já não poderá acontecer caso a diferenciação das atividades não seja evidente (por exemplo, bares que também servem snacks”.

Já não é a primeira vez que o primeiro-ministro, António Costa, veio garantir que, se for preciso dar passos atrás no desconfinamento, o fará, mas que prefere controlar a situação, considerando que a melhor forma de solidariedade e de retoma é todos cumprirem as regras.

Também o Ministério da Administração Interna tem acenado com a ideia de endurecer a vigilância nas ruas por parte das forças de segurança com vista ao cumprimento das regras e já admitiu que pode reforçar a capacidade de fiscalização das polícias chamando agentes de outras regiões. A ideia é controlar o consumo de álcool em espaços ao ar livre de acesso ao público e em vias públicas. Daí os supermercados e hipermercados não poderem vender bebidas alcoólicas depois das 20 horas.