O Bem-Estar das Nações


Numa altura em que diariamente somos confrontados com a história, através de processos de memória coletiva de como possamos reerguer a economia face à crise que se avizinha, devemos pensar sobretudo em como chegaremos às respostas que o mundo, as nações e as sociedades esperam.


Também em consequência da pandemia que ainda vivemos, é sempre bom revisitar conceitos e pensar em como os podemos adaptar e dessa forma melhorar a nossa sociedade. Pensemos em Adam Smith.

Na importante obra que ainda hoje é usada, “A Riqueza das Nações”, que foi lançada primeiramente em 1776 mas que teve mais 4 partes lançadas posteriormente em 1778, 1784, 1786 e 1780, o economista escocês Adam Smith lançou uma importante “pedra no charco” para a intemporal história do pensamento económico.

Dentro de muitas reflexões, esta obra argumenta que a medida de riqueza de um País não devia ser apenas as suas reservas em ouro e prata mas sim a totalidade do comércio e da produção de cada País.

Seguramente este pensamento, feito algures entre as cidades escocesas de Kirkcaldy, de onde era natural Adam Smith, e Edimburgo onde hoje é a sede do parlamento escocês e inclusive veio a falecer em 1790, foi das primeiras reflexões económicas mundiais escritas sobre aquilo que hoje é o Produto Interno Bruto (PIB).

Hoje, mais de 200 anos depois, essa medida sobre a produção e o comércio tornou-se evidente, mais importante e é o principal medidor pelo qual nos guiamos como métrica do sucesso de cada País.

Não acredito, e como eu há muitos, que fosse esse o propósito ou aquilo em que Adam Smith acreditava quando o escreveu, antes de 1776.

Está na altura de mudar esta visão estanque da sociedade, assente em medidas concretas, mas que não conta para as medições e parâmetros que realmente fazem uma sociedade mais feliz e consequentemente mais produtiva.

O que se escolhe como medidor de sucesso de cada País tem uma importância enorme. Importa desde logo porque vai guiar o foco e caminho político. Guia diariamente as decisões políticas, e nesse caminho o PIB tem limitações como medida do sucesso de cada País. São óbvias. O PIB mede o resultado de todo o nosso trabalho, mas diz o quê sobre a natureza do que fazemos? Que diz sobre esse mesmo trabalho realizado? Será que o PIB diz se esse trabalho vale a pena? Será que nos confere ferramentas para dizer que é gratificante ser feito?

Uma medição de algo de efeito imediato que impulsiona a nossa economia mesmo que essa atividade seja prejudicial para a sustentabilidade do nosso planeta a longo prazo é razoável?

Num País, e na sua sociedade, é imprescindível que se adapte a política à realidade. Da mesma forma como hoje nos adaptamos as nossas vidas, com menos amarras, ao mundo digital, ao teletrabalho e mesmo à importância da eHealth, temos de adaptar os medidores de sucesso de cada País ao que é o sucesso pessoal e de grupo perante uma sociedade.

O Bem-Estar. A Nova Zelândia, a Escócia e a Islândia já iniciaram uma plataforma comum para liderar pelo exemplo esta discussão. Assente neste debate, são chamados “Governos da Economia do Bem-Estar”.

Muito bem, nem seria possível não ter o País de Adam Smith e da Riqueza das Nações a trabalhar com o objetivo assente no bem comum como medidor de sucesso interno.

A conclusão comum, que serviu de pontapé de partida deste grupo, é mesmo de que há muitas limitações no PIB. Uma nota para referir que estes três Países, curiosamente, são liderados por três Mulheres: Jacinda Ardern que se tem vindo a tornar uma estrela política a dimensões mundiais, na Nova Zelândia, Nicola Sturgeon na Escócia que deu o pontapé de saída para a criação deste grupo de reflexão e carrega o peso da responsabilidade de ser conterrânea de Adam Smith, e Katrín Jakobsdóttir que tem uma liderança assente na economia renovável e sustentabilidade ambiental na Islândia com anteriores passagens pela Ciência, Cultura e Educação.

Nestes países e em todos os demais, há uma constatação real de qualquer pessoa interessada num novo pensamento de modelo económico, é óbvio que o crescimento económico é importante. É importante, sim, mas não é a única coisa que importa para uma sociedade e para um País.

O crescimento do PIB não pode ser a única meta, sem pensar na dimensão sociológica de um país nem pode nunca continuar a ser o objetivo único da política económica. O Bem-Estar coletivo deve ser esse objetivo.

Saber o quão saudável é a população. Se a população é feliz (e que importante será nesta fase que iremos atravessar de pandemia e pós-pandemia) e quão feliz é cada português e não apenas qual a dimensão de riqueza do nosso País.

Este debate, quando é focado, é independente do País. Basta vermos que é possível vermos várias análises neste sentido em países profundamente capitalistas, mas também em países de cariz quase comunista como o reino budista do Butão.

Esta matéria traz uma discussão muito profunda. Traz naturalmente questões fundamentais que atravessam a história e cultura de cada País.

O que valoriza a nossa sociedade? O que realmente importa nas nossas vidas? A que tipo de País queremos pertencer e ajudar a construir?

Só se tivermos uma sociedade interessada neste debate, comprometida com esta medição e ciente de que o futuro interessa mais consoante melhor o nosso medidor de sucesso é que iremos poderemos passar para um segundo nível: a proximidade pelo sistema político, pelo poder local e por que está (ninguém é eternamente) governante e agente político. Sim, o desinteresse da sociedade pelas políticas e pelos políticos do seu País, que é muito comum nos países desenvolvidos do nosso planeta, passa por esta mudança de paradigma.

E perguntamo-nos: Como é possível medir e quantificar algo tão personalista quanto o bem-estar? O meu bem-estar seguramente não é igual à concretização de felicidade do meu vizinho, certo?

Claro que sim. Mas é possível criarmos, como a Escócia em 2007, uma espécie de Estrutura de Desempenho Nacional em que são medidos padrões como a desigualdade de ordenados, a felicidade das crianças, o acesso a espaços verdes, o acesso à habitação. Reparemos: Nenhum destes medidores está nas estatísticas do PIB mas são fundamentais para uma sociedade feliz, saudável e seguramente mais produtiva.

Acredito que o futuro passa por uma estratégia económica mais generalista, com uma abordagem em que é dada igual importância política perante a luta contra a desigualdade e à competitividade económica e de produção. Esta articulação é um passo, que é importante, para pensar-se a vários níveis e conhecer-se se o trabalho é gratificante e, igualmente, é bem ou meritoriamente pago por isso.

E enquanto enfrentamos em todos os 193 países da ONU os desafios das mudanças climáticas, esta articulação também nesse desígnio atual pode ser o passo para a economia do chamado Carbono Zero. Não temos espaço para cometer os mesmos erros de pensar agora no crescimento económico, sozinho e isolado, e esquecer o desgaste do planeta porque só irá ocorrer a médio ou longo prazo e noutras gerações.

Há espaço a pensar diferente e a atualizar um brilhante pensamento que cumpre mais de 200 anos sobre o pensamento da economia mundial e do sucesso de cada país.

Há espaço para Portugal pensar num Orçamento de Bem-Estar, como a Nova Zelândia apresentou em 2019 pela primeira vez, com foco na saúde mental que hoje é tão debatida em Portugal. Podemos ainda acreditar que há espaço para Portugal olhar para a Islândia que é o país líder na igualdade de salários, mas também nos direitos de paternidade que são justos e não discriminatórios.

Quando se pensa numa Economia “Rica”, seguramente que não é nestas políticas que pensamos. Mas acredito que sejam importantes para uma Economia Saudável e uma Sociedade Feliz.
 

Para terminar: Adam Smith e a prova de que pensava não só num hipotético PIB mas sobretudo na atual designação de Bem-Estar das Nações.

Com a sua reflexão da “Teoria dos Sentimentos Morais”, de 1759, o valor de qualquer governo era visto como só julgado em proporção do que as políticas aplicadas faziam a sociedade feliz. Daqui se vê que não era um PIB mas mais um FIB (Indicador de Felicidade Bruta) que o economista escocês pensava há dois séculos.

Ninguém terá todas as respostas. Mas num mundo tão dividido e desigual, é fundamental que se façam as perguntas que a sociedade tem. 

Que o foco político mude e se adapta a totalidade da sociedade e que, como muitas vezes se diz sem se praticar, as pessoas deixem de ser meramente números.

 


O Bem-Estar das Nações


Numa altura em que diariamente somos confrontados com a história, através de processos de memória coletiva de como possamos reerguer a economia face à crise que se avizinha, devemos pensar sobretudo em como chegaremos às respostas que o mundo, as nações e as sociedades esperam.


Também em consequência da pandemia que ainda vivemos, é sempre bom revisitar conceitos e pensar em como os podemos adaptar e dessa forma melhorar a nossa sociedade. Pensemos em Adam Smith.

Na importante obra que ainda hoje é usada, “A Riqueza das Nações”, que foi lançada primeiramente em 1776 mas que teve mais 4 partes lançadas posteriormente em 1778, 1784, 1786 e 1780, o economista escocês Adam Smith lançou uma importante “pedra no charco” para a intemporal história do pensamento económico.

Dentro de muitas reflexões, esta obra argumenta que a medida de riqueza de um País não devia ser apenas as suas reservas em ouro e prata mas sim a totalidade do comércio e da produção de cada País.

Seguramente este pensamento, feito algures entre as cidades escocesas de Kirkcaldy, de onde era natural Adam Smith, e Edimburgo onde hoje é a sede do parlamento escocês e inclusive veio a falecer em 1790, foi das primeiras reflexões económicas mundiais escritas sobre aquilo que hoje é o Produto Interno Bruto (PIB).

Hoje, mais de 200 anos depois, essa medida sobre a produção e o comércio tornou-se evidente, mais importante e é o principal medidor pelo qual nos guiamos como métrica do sucesso de cada País.

Não acredito, e como eu há muitos, que fosse esse o propósito ou aquilo em que Adam Smith acreditava quando o escreveu, antes de 1776.

Está na altura de mudar esta visão estanque da sociedade, assente em medidas concretas, mas que não conta para as medições e parâmetros que realmente fazem uma sociedade mais feliz e consequentemente mais produtiva.

O que se escolhe como medidor de sucesso de cada País tem uma importância enorme. Importa desde logo porque vai guiar o foco e caminho político. Guia diariamente as decisões políticas, e nesse caminho o PIB tem limitações como medida do sucesso de cada País. São óbvias. O PIB mede o resultado de todo o nosso trabalho, mas diz o quê sobre a natureza do que fazemos? Que diz sobre esse mesmo trabalho realizado? Será que o PIB diz se esse trabalho vale a pena? Será que nos confere ferramentas para dizer que é gratificante ser feito?

Uma medição de algo de efeito imediato que impulsiona a nossa economia mesmo que essa atividade seja prejudicial para a sustentabilidade do nosso planeta a longo prazo é razoável?

Num País, e na sua sociedade, é imprescindível que se adapte a política à realidade. Da mesma forma como hoje nos adaptamos as nossas vidas, com menos amarras, ao mundo digital, ao teletrabalho e mesmo à importância da eHealth, temos de adaptar os medidores de sucesso de cada País ao que é o sucesso pessoal e de grupo perante uma sociedade.

O Bem-Estar. A Nova Zelândia, a Escócia e a Islândia já iniciaram uma plataforma comum para liderar pelo exemplo esta discussão. Assente neste debate, são chamados “Governos da Economia do Bem-Estar”.

Muito bem, nem seria possível não ter o País de Adam Smith e da Riqueza das Nações a trabalhar com o objetivo assente no bem comum como medidor de sucesso interno.

A conclusão comum, que serviu de pontapé de partida deste grupo, é mesmo de que há muitas limitações no PIB. Uma nota para referir que estes três Países, curiosamente, são liderados por três Mulheres: Jacinda Ardern que se tem vindo a tornar uma estrela política a dimensões mundiais, na Nova Zelândia, Nicola Sturgeon na Escócia que deu o pontapé de saída para a criação deste grupo de reflexão e carrega o peso da responsabilidade de ser conterrânea de Adam Smith, e Katrín Jakobsdóttir que tem uma liderança assente na economia renovável e sustentabilidade ambiental na Islândia com anteriores passagens pela Ciência, Cultura e Educação.

Nestes países e em todos os demais, há uma constatação real de qualquer pessoa interessada num novo pensamento de modelo económico, é óbvio que o crescimento económico é importante. É importante, sim, mas não é a única coisa que importa para uma sociedade e para um País.

O crescimento do PIB não pode ser a única meta, sem pensar na dimensão sociológica de um país nem pode nunca continuar a ser o objetivo único da política económica. O Bem-Estar coletivo deve ser esse objetivo.

Saber o quão saudável é a população. Se a população é feliz (e que importante será nesta fase que iremos atravessar de pandemia e pós-pandemia) e quão feliz é cada português e não apenas qual a dimensão de riqueza do nosso País.

Este debate, quando é focado, é independente do País. Basta vermos que é possível vermos várias análises neste sentido em países profundamente capitalistas, mas também em países de cariz quase comunista como o reino budista do Butão.

Esta matéria traz uma discussão muito profunda. Traz naturalmente questões fundamentais que atravessam a história e cultura de cada País.

O que valoriza a nossa sociedade? O que realmente importa nas nossas vidas? A que tipo de País queremos pertencer e ajudar a construir?

Só se tivermos uma sociedade interessada neste debate, comprometida com esta medição e ciente de que o futuro interessa mais consoante melhor o nosso medidor de sucesso é que iremos poderemos passar para um segundo nível: a proximidade pelo sistema político, pelo poder local e por que está (ninguém é eternamente) governante e agente político. Sim, o desinteresse da sociedade pelas políticas e pelos políticos do seu País, que é muito comum nos países desenvolvidos do nosso planeta, passa por esta mudança de paradigma.

E perguntamo-nos: Como é possível medir e quantificar algo tão personalista quanto o bem-estar? O meu bem-estar seguramente não é igual à concretização de felicidade do meu vizinho, certo?

Claro que sim. Mas é possível criarmos, como a Escócia em 2007, uma espécie de Estrutura de Desempenho Nacional em que são medidos padrões como a desigualdade de ordenados, a felicidade das crianças, o acesso a espaços verdes, o acesso à habitação. Reparemos: Nenhum destes medidores está nas estatísticas do PIB mas são fundamentais para uma sociedade feliz, saudável e seguramente mais produtiva.

Acredito que o futuro passa por uma estratégia económica mais generalista, com uma abordagem em que é dada igual importância política perante a luta contra a desigualdade e à competitividade económica e de produção. Esta articulação é um passo, que é importante, para pensar-se a vários níveis e conhecer-se se o trabalho é gratificante e, igualmente, é bem ou meritoriamente pago por isso.

E enquanto enfrentamos em todos os 193 países da ONU os desafios das mudanças climáticas, esta articulação também nesse desígnio atual pode ser o passo para a economia do chamado Carbono Zero. Não temos espaço para cometer os mesmos erros de pensar agora no crescimento económico, sozinho e isolado, e esquecer o desgaste do planeta porque só irá ocorrer a médio ou longo prazo e noutras gerações.

Há espaço a pensar diferente e a atualizar um brilhante pensamento que cumpre mais de 200 anos sobre o pensamento da economia mundial e do sucesso de cada país.

Há espaço para Portugal pensar num Orçamento de Bem-Estar, como a Nova Zelândia apresentou em 2019 pela primeira vez, com foco na saúde mental que hoje é tão debatida em Portugal. Podemos ainda acreditar que há espaço para Portugal olhar para a Islândia que é o país líder na igualdade de salários, mas também nos direitos de paternidade que são justos e não discriminatórios.

Quando se pensa numa Economia “Rica”, seguramente que não é nestas políticas que pensamos. Mas acredito que sejam importantes para uma Economia Saudável e uma Sociedade Feliz.
 

Para terminar: Adam Smith e a prova de que pensava não só num hipotético PIB mas sobretudo na atual designação de Bem-Estar das Nações.

Com a sua reflexão da “Teoria dos Sentimentos Morais”, de 1759, o valor de qualquer governo era visto como só julgado em proporção do que as políticas aplicadas faziam a sociedade feliz. Daqui se vê que não era um PIB mas mais um FIB (Indicador de Felicidade Bruta) que o economista escocês pensava há dois séculos.

Ninguém terá todas as respostas. Mas num mundo tão dividido e desigual, é fundamental que se façam as perguntas que a sociedade tem. 

Que o foco político mude e se adapta a totalidade da sociedade e que, como muitas vezes se diz sem se praticar, as pessoas deixem de ser meramente números.