Laxante: Que laxa; que tem a propriedade de purgar lentamente.
Temos o exercício político que merecemos, porque é assim que dita a maioria e a perceção dos protagonistas perante o que têm de administrar. É assim a Democracia. Essa evidência da regra do jogo não exime a expressão da diversidade de perspetivas, nem contribui para a assertividade das prestações e dos caminhos que resultam das opções dos protagonistas, ainda que apoiadas pela maioria.
O Portugal que achatou a curva da pandemia pelo confinamento, acomodando-a na capacidade de resposta do SNS, existente e construída, está na encruzilhada do desconfinamento, do risco de uma segunda vaga e da desesperante suspensão das rotinas económicas que existiam, com incontornáveis impactos sociais.
Por vontade legítima, Portugal está entregue aos Senhores do Laxante do Laxismo, que se entretêm, decidem e permitem a criação de um quadro mental e comportamental de pouca exigência individual e comunitária, com o ressurgimento de erupções que podem colocar em causa o caminho percorrido.
A situação é exigente, mas o discurso e as opções políticas foram em demasiados momentos contraditórios, entre o fica em casa e regressa às rotinas, entre o não usa a máscara e usa a máscara, entre o é proibido para a generalidade e permitido para alguns, entre o deixa andar e o deixa estar que está na origem do excesso de tolerância com alguns comportamentos de grupos e interesses.
Portugal não tem de ser um estado policial, mas não pode ser uma República em que a lei não é igual para todos, em que o Estado por vontade política se demite de impor os mínimos que são importantes para conter a pandemia e de haver senso dos protagonistas políticos.
E por vezes basta conhecer a realidade para não embarcar em populismos ou projetar uma ideia de laxismo perniciosa para os equilíbrios comunitários e os comportamentos individuais. Mas, não a opção é a de lançar laxantes e promover laxismos.
É assim que se permitem expressões de destruição de estátuas sem que o Estado se pronuncie em tempo útil para marcar o tom da afirmação da República e da lei. É assim que se toleram ajuntamentos de forma arbitrária ou alegadamente espontânea, sem capacidade de antecipar o simbolismo e as consequências para a restante comunidade. Se há ajuntamento no 1 de maio na Alameda e haverá Web Summit, porque não pode haver uma concentração de pessoas na praia ou noutro local, num quadro em que os instrumentos legais para a intervenção de fiscalização e de penalização foram esvaziados pelas ânsias do regresso ao novo normal.
É assim que sem aparente noção da realidade se proclama a erradicação dos sem-abrigo até final do mandato para depois vir dizer que a pandemia vai prejudicar o cumprimento da meta. Bastava conhecer a realidade para compreender que a meta era mais populista do que humanista e, com ou sem pandemia, não seria cumprida nos termos enunciados. E na mesma linha se tem a falta de senso de afirmar que a Champions em Lisboa “é um prémio para os profissionais de saúde” ou que “Portugal optou pela verdade em vez de corrigir números”, quando a realidade e a perceção nem sempre têm sido farinha do mesmo saco. Basta andar no terreno!
À partida e até agora, Portugal conseguiu melhor do que muitos outros, apesar das insuficiências, das contradições e das dificuldades de conciliação entre a saúde e a economia, mas a persistência das intervenções e das ações dos Senhores do laxante e do laxismo têm tudo para fustigar com desgraça os caminhos que faltam fazer.
É preciso acudir à emergência social e económica, com transparência, com coerência e com sentido de sustentabilidade, sem contradições no discurso político e na ação. Não é possível no espaço de 24 horas os negócios estrangeiros ameaçarem com retaliações outros Estados Membros da União Europeia por colocarem entraves à entrada de portugueses nesses destinos e depois o chefe do governo dizer o contrário. Ou o governo desvalorizar a rota de migrantes ilegais que estão a chegar ao Algarve para depois os serviços do Estado confirmarem o risco. Como se não bastassem as contradições no discurso político interno, também se exercita um certo desnorte para o exterior?
Portugal teve e continua a ter um problema com a execução dos fundos comunitários como teve com as medidas de apoio às empresas no quadro da pandemia, com a burocracia a sobrepor-se ao estado de necessidade e a surgirem os tradicionais chico-espertismos, sem haver quem os ponha na ordem. Por exemplo, há casos em que a banca aproveitou as linhas de crédito com garantia do Estado para transferir para esses instrumentos situações de risco que mantinha com clientes. Se correr mal, paga o Estado e não o banco.
A serem aprovados os financiamentos em debate arrastado na Europa, Portugal vai ter muito dinheiro nos próximos anos. Algum terá de ser pago no futuro. Razão mais do que suficiente que a fornada de massa que aí vem, seja gasta com critério, com eficácia e com sentido de futuro, além da manutenção dos poderes pessoais, dos grupos ou dos instalados. Portugal precisa de ir mais além da visão tradicional, dos burocratas e dos Senhores do laxante e do laxismo, que purgam sempre uma parte do país que não está em Lisboa, nos corredores do poder, nos interesses conexos, dos media aos serviços do Estado. Não o fazer, significa perpetuar poderes mais ou menos pessoais e problemas mais ou menos estruturais, ganham alguns, os de sempre, perde Portugal.
Estamos sob o fio da navalha, na economia e na sociedade. Persistir em discursos pouco claros, sem senso ou contraditórios, só porque é preciso transparecer normalidade, e tolerar expressões de irresponsabilidade individual, grupal ou comunitária pode deitar tudo a perder. Mais do que nunca é preciso clareza e é preciso que ela seja compreendida por todos, para o bem e para o mal. Este é o tempo da verdadeira liderança, além da gestão da circunstância e dos interesses. Não se teve, que se tenha agora.
NOTAS FINAIS
Deixa andar! Será muito difícil conseguir resultados sem alterar pressupostos na Grande Lisboa, na mobilidade, sim, naquela em que se aumentou a procura sem ampliar a oferta de transporte público, nomeadamente nas horas de ponta de gente que não tem e não pode ter horários desfasados. Trataram dos que estavam no sistema, é tempo de tratar dos outros.
Alto e para o baile! A morte de Pedro Lima, que lamentamos, sublinha a importância da atenção aos sinais, além das aparências. Nem todos estão, nem todos vão ficar bem.
Escreve à segunda-feira