Incêndios. “Ninguém pense que a situação de 2017 não pode vir  a repetir-se”

Incêndios. “Ninguém pense que a situação de 2017 não pode vir a repetir-se”


Verão quente e a previsão de uma época de incêndios complicada. Para Jaime Marta Soares, “a nossa floresta continua a ser combustível altamente inflamável”.


O verão já começou quente e, esta semana, prevê-se que os termómetros subam até perto dos 40 graus em algumas zonas do país devido a uma massa de ar quente oriunda do deserto do Saara, no norte de África – oito distritos estão sob aviso amarelo. E as preocupações em relação aos incêndios surgem não só devido ao calor que se faz sentir mas também ao estado que as zonas florestais do país podem apresentar. Ao i, o presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares, admitiu que situações como os fogos que assolaram Portugal em 2017 – só em Pedrógão Grande, Leiria, morreram 66 pessoas –, podem vir a acontecer num futuro próximo.

“O grande problema continua a ser o facto de a nossa floresta continuar a ser um archote permanente. E a partir do momento em que se começam a movimentar as alterações climáticas e que efetivamente há ventos atípicos, como houve no Algarve, essas situações podem vir a acontecer. Ninguém pense que a situação que aconteceu em 2017 não pode vir a repetir-se. Pode”, começou por dizer, aludindo também ao fogo – já dominado – que deflagrou na sexta-feira em Aljezur, no Algarve, e mobilizou mais de 400 operacionais, desalojando também várias famílias.

“A nossa floresta continua a ser uma quantidade enorme de combustível altamente inflamável. Se se lança o fogo e se as condições atmosféricas se mantiverem em alta e houver ventos atípicos, esta situação pode efetivamente provocar vários fogos. É uma geografia de um terreno terrível e difícil. Uma floresta conforme está, sem prevenção estrutural. E é essa prevenção que estamos agora a fazer. É uma alteração cultural da sociedade portuguesa que leva a que só daqui a 40 ou 50 anos é que tenhamos uma floresta minimamente próxima de estar segura”, avisou Jaime Marta Soares.

Segundo o presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Miguel Miranda, não estamos “na situação que tivemos há três anos”, mas é necessário dar aos incêndios uma atenção especial nos próximos dias, até porque existe um elevado nível de alerta e preocupação. “Estamos a começar este ano aquela que vai ser uma época de combate aos incêndios rurais particularmente complexa. Estamos ainda numa fase de pandemia e já tivemos o primeiro acontecimento de dimensão significativa exatamente na zona do Algarve”, sublinhou, em declarações à RTP. Os mapas de risco de incêndio do IPMA preveem para esta semana risco muito elevado e máximo em vários concelhos do interior e do Algarve, com o risco a aumentar na quarta e quinta-feira.

Bombeiros em ação O presidente do IPMA já alertou que, numa situação de pandemia, é preciso prepararmo-nos para “nos revezarmos uns aos outros” e sermos capazes de ter “o mesmo nível de desempenho que éramos capazes de ter em situações normais”, mas Jaime Marta Soares ressalvou que, no que respeita ao combate aos incêndios florestais, “os bombeiros portugueses são os melhores do mundo”.

“São os melhores e com tecnologias muito aquém daquilo que têm os países mais desenvolvidos da Europa e do mundo. Não é por falta de vontade, conhecimento ou profissionalismo, apesar de a maioria esmagadora ser voluntária, que se põe algo em causa ou que isso seja razão de o incêndio de Aljezur ter o desenvolvimento que teve. Pode haver muitos incêndios de Aljezur”, sublinhou, reforçando que os bombeiros não são “homens derrotados à nascença” e que, por isso, vão à luta para enfrentar a fase mais crítica dos fogos que possa surgir.

“Ele [presidente do IPMA, Miguel Miranda] é um homem de fé. Eu também sou. Vamos conseguir ultrapassar os incêndios, de uma forma mais ou menos complicada ou mais ou menos musculada. Temos, de facto, de enfrentar as adversidades. Não podemos ficar de braços cruzados, até porque seria sentirmo-nos derrotados à nascença. E nós, os bombeiros, não somos assim. Estaremos sempre com força, que nos anima, e sempre com o nosso profissionalismo. Mas não se pode pedir a uma equipa de dez que combata contra mil. As forças da natureza superam a capacidade do homem”, alertou Jaime Marta Soares.

Em 2017, recorde-se, registou-se o pior ano em termos de incêndios florestais em Portugal, com mais de 100 mortos e 500 mil hectares de área ardida. Além do incêndio que devastou Pedrógão Grande, em junho, quatro meses depois, em outubro, já ultrapassada a fase crítica de incêndios, mais de 45 pessoas morreram durante os fogos que se alastraram para 27 concelhos da região Centro, nomeadamente nos distritos de Aveiro, Leiria, Castelo Branco, Guarda e Viseu.