‘O pior ainda está para vir’. A crise na restauração

‘O pior ainda está para vir’. A crise na restauração


A crise surgiu do nada. E deitou ‘por terra’ projetos erguidos ao longo de gerações. Os restaurantes Casa Aleixo e Adega da Bairrada são dois exemplos do desfecho ditado pela pandemia.


Muitas das nossas melhores memórias são construídas à volta de uma mesa, no rebuliço de uma refeição com família e amigos, entre sons desordenados de conversas paralelas e pratos e talheres a chocarem entre si.

A pandemia de covid-19 foi implacável para o setor da restauração, impedindo que se escrevessem novas histórias durante (longos) dois meses e meio – o tempo durante o qual, com os trincos corridos, apenas os serviços de take-away dos restaurantes estavam autorizados a funcionar pelas autoridades.

Todavia, a tempestade parece longe de amainar, arrastando e acentuando um rasto de crise que se faz sentir pelas empresas (e pelos trabalhadores). Na fase de reabertura e retoma – a partir de junho –, foram muitos os restaurantes que já não conseguiram regressar ao antigamente: e muitas portas encerraram definitivamente (umas sem surpresa, mas outras nem por isso).

É o caso da icónica Casa Aleixo, no Porto, que viu a pandemia colocar um ponto final a um percurso de 72 anos. Fundado em 1948, o ‘Aleixo’, como era carinhosamente chamado, era uma referência na cidade, na região e no país, frequentado por anónimos e celebridades.

Localizado na Rua da Estação, em Campanhã, coração da Invicta, o restaurante foi gerido durante décadas pelo Sr. Ramiro, primeiro o pai e depois o filho, resistindo ao crivo do tempo, às mudanças que a cidade foi conhecendo, às suas novas gentes e coisas. Atualmente, os clientes que continuavam a lotar a sua sala de paredes de pedras grossas carregavam mil e um sotaques, oriundos de todas as partes de Portugal e do mundo.

A crise que a pandemia provocou, inesperada e implacável, obrigou agora a que os responsáveis tomassem a decisão mais temida e dolorosa, passando os filetes de pescada e de polvo com ‘arroz do mesmo’ para a lista da saudade.

Este capítulo, porém, corre o risco de engrossar. Em Lisboa, a história da Adega da Bairrada não é muito diferente, começa na década de 1940, atravessa três gerações de proprietários, sempre da mesma família, e termina agora, também sob os efeitos da covid-19 – um nome que, meses atrás, até o próprio dicionário desconhecia, mas que se veio a revelar fatal para o negócio.

Situado na Rua Reinaldo Ferreira, no bairro de Alvalade, o restaurante foi mudando de nome, entre ‘Pote d’Água’ e ‘Irmãos’, para o que fazia mais sentido à época, até que chegou aos nossos dias como Adega da Bairrada, e uma referência para uma clientela fiel e dedicada. A aposta no take-away alimentou a esperança, mas a sentença definitiva chegou esta semana, através das redes sociais: «Lamentamos informar mas, devido à forte diminuição verificada da procura dos nossos serviços e produtos, somos forçados a proceder ao encerramento total e definitivo do nosso restaurante».

 

‘O pior ainda está para vir’

As notícias quanto ao fecho de restaurantes icónicos – e a retoma lenta que se tem verificado – têm vindo a aumentar o temor face ao futuro, entre vários empresários do setor ouvidos pelo SOL.

Albino Fernandes é proprietário de um restaurante em Braga há 18 anos, e faz parte do movimento Urbac, composto por empresários do setor, criado para representar (e defender) os restaurantes da cidade e da região nesta fase.

Ao SOL, Albino é taxativo: «Não me admira que muitos restaurantes já tenham fechado definitivamente, mas o pior ainda está para vir». Porquê? O empresário não tem dúvidas que os apoios do Estado têm mitigado (e disfarçado) muitos dos problemas das empresas, mas «quando chegar ao fim o layoff e as moratórias, e for necessário recomeçar a pagar a totalidade dos compromissos, muitas delas não vão suportar».

«Sem novos apoios, muitos restaurantes, mesmo os mais antigos, e que agora reabriram vão encerrar as suas portas de vez», alerta.